terça-feira, 2 de outubro de 2012

Quando a política abraça a religião

Por Leon Victor de Queiroz*

A maior parte das pessoas não segue uma religião específica ou se diz católica não praticante, o que na prática dá no mesmo. Entretanto, uma minoria frequenta igrejas e templos de denominações neopentecostais, cujo ensino da Bíblia é feito sem o menor questionamento. Um Padre leva anos até concluir o seminário e ser ordenado. Pastores de outras denominações passam um bom tempo estudando e interpretando a Bíblia. Para essas novas denominações que além de templos gigantescos possuem rede de Rádio e de TV, para ser pastor basta conhecer a Bíblia e pregá-la, ou seja decorar e ajudar a memorizar. Mas o que isso tem a ver com política?

Não é fácil convencer o eleitor. O ex-presidente Lula participou de três eleições nacionais antes de se tornar Presidente da República vencendo a quarta disputa. E para tanto, mudou o discurso e até a forma de se apresentar ao eleitorado. Seu maior adversário, José Serra, também vem mudando a forma como se apresenta para o eleitor, mas não consegue parar de perder votos. 

Por que então, o eleitor é tão volátil? Porque ele possui capacidade de questionar. Eleitores se questionam o tempo todo. Questionam o porquê de votar em um candidato em detrimento de outro. O questionamento também é a base da Ciência. Todo projeto de pesquisa começa com uma boa pergunta de pesquisa. 

Aquela minoria frequentadora de templos e crentes na Bíblia cresceu, ainda sendo minoria, é uma grande minoria capaz de eleger vereadores, deputados e senadores. Não é à toa que possuem até partido político, o Partido da República – PR, que na verdade está mais para o Partido Religioso. Mas, o que essa minoria religiosa tem a ver com a política? São eleitores que não questionam, assim como fazem com a Bíblia, creem no que o Pastor lhes diz. Se o pastor é o próprio candidato, votam sem questionar. Se o pastor apresenta outro candidato, fazem o mesmo. Ou seja, são uma grande minoria do eleitorado que é de fácil convencimento. Facilita até a contabilidade da corrupção. Em vez de pagar a cada cabeça, o dinheiro pode ir direto para o pastor, considerando o número de fieis, evidentemente. 

O Brasil não é um país católico. Uma maioria não é capaz de falar pela minoria. O Brasil é um país de católicos, protestantes, espíritas, ubandistas, judeus, mulçumanos, budistas, zoroastristas, ateus, agnósticos, deístas, a lista não para. Querer impor valores católicos ou protestantes a todos esses grupos é agir com tirania. Todos esses subgrupos possuem valores comuns e são esses valores que devem prevalecer. O espaço público e as leis são para todos. Governar com valores cristãos é imprimir aos não cristãos uma cultura estranha. Um governo laico não impõe nada contrário ao que esses grupos acreditam. O governo laico ao realizar o aborto não obriga que a cristã aborte, tão somente dá a opção a quem não crê na Bíblia. Se o governo laico permite o casamento civil homoafetivo, o cristão ou judeu ou budista ou ateu não é obrigado a casar, tão somente os homossexuais terão o direito de fazê-lo sem que com isso fira os preceitos bíblicos. 

Os efeitos da Bíblia devem ser restritos somente a quem nela crê, do contrário reproduziremos as disputas religiosas que tanto envergonharam os tempos medievais. Não há um só Deus, ou uma só verdade ou uma só conduta. Permitir que os incrédulos se comportem diferentemente da Bíblia é o primeiro passo para garantir a convivência de todos no mesmo espaço público. Da mesma forma que é assegurado ao crente andar vestido de acordo com sua crença e com a Bíblia na mão, deve ser assegurado o direito aos incrédulos de se comportarem de acordo com o que acreditam e a Lei permita.

* Doutorando em Ciência Política (UFPE) e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos (UFMG).