segunda-feira, 12 de agosto de 2013

60 dias depois

Por Vítor Sandes* 
Leon Victor de Queiroz** 
Luiz Fernando Miranda***

Na av. Paulista, em frente ao MASP (Foto: Vítor Sandes)
Nos meses de junho e julho o Brasil passou por seu momento de maior ebulição política desde as Diretas Já, quando se lutou pelo direito do eleitor escolher diretamente o presidente da República, após 20 anos de regime militar. A população brasileira, após duas década de regime democrático, saiu às ruas para reivindicar por mais direitos, maior eficiência no gasto público e maior aproximação entre o poder público e a sociedade civil. Recentemente, o Brasil viveu um período de intensas manifestações que se alastraram por todo o país desde as grandes capitais até às pequenas cidades. Depois de dois meses, algo realmente mudou no Brasil.

A mudança começou antes do que normalmente pensamos. Deu-se início em 2005, com o mensalão. O PT, certamente, é o partido que mais representou um “partido de massas” no atual experimento democrático brasileiro. Durante as décadas de 1980 e 1990, foi o partido de esquerda que teve maior entrelaçamento com as causas sociais e que, buscou, lutar pelos direitos dos trabalhadores, e, por isso, defendia com veemência a ética da atuação da classe política. Posteriormente, o partido passou por transformações na sua relação com o eleitorado, pois abdicou de um discurso classista para uma agenda mais ampliada, passando a incorporar os anseios da população por maior acesso ao consumo. Com o mensalão, o partido deixou de ser o “bastião da ética”, mas continuou a ter importância significativa no cenário nacional, principalmente por controlar o Governo Federal, por ser extremamente bem organizado internamente e por ter lideranças políticas nacionais e estaduais que conseguiram dar conta deste caso de corrupção que marcou profundamente o primeiro governo Lula.

Desde então, houve a necessidade de se ter maior atenção à demanda popular por maior transparência dos atos públicos. Duas importantes leis que representaram um avanço mais que simbólico no sentido de limitar a corrupção: a Lei da Ficha Limpa” e a Lei de Acesso à Informação. Ambas trouxeram avanços no sentido de selecionar os políticos que podem se candidatar a cargos eletivos e coagir aqueles que exercem mandatos a “seguirem a linha”, inclusive aqueles que exercem cargos não-eletivos, como no caso de Ministros, Secretários e demais ocupantes da administração pública. No caso da Lei da Ficha Limpa, os cidadãos foram atores fundamentais no processo de construção da lei, que teve origem em projeto popular, o que representou maior abertura do Estado aos canais participativos, como fora tratado neste blog anteriormente.

Contudo, as duas leis foram insuficientes para responder a indignação popular latente depois de anos de casos de corrupção que se alastram desde o início do atual regime, em todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal), com o entendimento dos cidadãos de que eles são protagonistas da cena política e não meros expectadores. Esse processo de transformação da opinião pública e da compreensão da política começa quando os cidadãos percebem que os partidos não estão sendo capazes de dar conta de todas as demandas populares e agirem de forma continuamente ética. Em meio a tudo isso, observou-se o surgimento de novas formas de mobilização estabelecidas pelas redes sociais que possibilitam maior agilidade na organização de movimentos e protestos. É daí que eclodem os “movimentos de junho” no Brasil.

Os manifestantes se basearam em uma nova forma de organização mais prática e mais barata que as anteriores, em linguagem técnica houve uma significativa redução dos custos da ação coletiva. Como em outros países, a rede social virou uma ferramenta política, que pode continuar ajudando a mobilizar outros movimentos reivindicatórios, exercendo controle sobre a ação dos governos.

Passados sessenta dias, a classe política cedeu, mostrando que o processo é e pode ser mais democrático. Ainda no calor das manifestações populares, o Congresso Nacional voltou ao tema da reforma política, principalmente após a proposta do Executivo de se fazer um plebiscito ainda este ano e podendo estabelecer regras para o próximo pleito. Propostas que modifiquem significativamente a estrutura do exercício do poder e, em curto espaço de tempo, tendem a não prosperar e isto é o que acontece. O PMDB, maior partido da coalizão federal, tem proposta diversa da apresentada pelo PT e isso termina por voltar à estaca zero. Uma comissão especial ficará encarregada de analisar a tão divulgada e requerida reforma política. 

Mas será que a reforma a ser proposta – que tende a defender o financiamento de campanha exclusivamente público, sistema eleitoral distrital ou proporcional de lista fechada – terá a capacidade de aperfeiçoar o gasto público? Trarão um atendimento mais eficiente nos hospitais públicos? Melhorarão o gasto com a educação pública? E o transporte público, será mais inclusivo? A população parece acertar no diagnóstico, mas o governo (não somente a União) erra no tratamento. 

No que tange aos governos estaduais, a truculência das ações policiais, agora não voltada apenas à classe mais pobre, fez da desmilitarização da polícia uma bandeira que não deve ser desperdiçada. Parece não caber mais, depois de 25 anos de democracia, uma polícia que foi desenhada e organizada durante a última ditadura militar no país. Sua organização, seu treinamento e seus propósitos precisam ser outros. O Estado estará atento a essa nova demanda ou tentará resolvê-la com “reforma do sistema eleitoral”?

Passados sessenta dias, as iniciativas governamentais parecem não responder completamente às demandas da população. O acesso à saúde continua abaixo da expectativa, as escolas seguem com os mesmos problemas, o transporte público, com as velhas deficiências, e a população, com os mesmos sofrimentos. Mesmo com a melhoria dos indicadores sociais nos últimos anos, mais passos precisam ser dados no sentido de se construir um Estado para a sociedade. Mudanças graduais são importantes, mas em dois meses uma coisa realmente mudou: a classe política percebeu que as pessoas sabem que a “velha política” não dá conta das reais demandas da população.

* Doutorando em Ciência Política (UNICAMP).
** Doutorando em Ciência Política (UFPE).
*** Doutorando em Ciência Política (UFF).