sexta-feira, 17 de junho de 2016

Para onde vamos?

Por Vitor Sandes* e Luiz Fernando Miranda**

Em 2013, ocorreram as “manifestações de Junho”, onde vários setores sociais saíram às ruas para protestar contra diversas questões. De um movimento organizado inicialmente pelo MPL (Movimento Passe Livre), que protestava contra o aumento das passagens de ônibus, o movimento se ampliou e agregou diversos setores da sociedade que reivindicavam diversas pautas: saúde, educação, ética na política, etc. No final, uma grande lição foi deixada: “não foi somente por 20 centavos”. O cerne do problema parecia ser o próprio sistema político. Ele estaria corroído por uma crise ética de seus representantes. Se tivéssemos que imaginar uma decisão que saiu das ruas, ela cobrava por mudanças. Mas, por onde começar?

Em um texto escrito pelo cientista político Fabiano Santos, ex-presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), em 30 de setembro de 2006, para a Folha de São Paulo, o autor argumenta que a afirmação de que “bastaria alterar as regras, em particular as que regem a competição eleitoral (...), o sistema passaria a produzir representantes éticos e de alto padrão moral” é bastante frágil. A mudança do sistema eleitoral, ou mesmo de regras eleitorais, não resolveria sozinha o problema. Para ele, “os países que conseguiram diminuir as taxas de corrupção foram aqueles que aperfeiçoaram as instituições de controle, como ouvidoria, Ministério Público e Tribunais de Contas”. Nesse sentido, conforme o argumento do autor, as alterações nas regras não seriam suficientes para modificar o comportamento dos políticos. Somente o reforço da accountability horizontal poderia gerar incentivos a ações mais republicanas.

Santos acertou neste sentido. Novos casos de corrupção na política têm surgido e novas operações foram deflagradas pela Polícia Federal (como a Lava Jato), os Tribunais de Contas têm fiscalizado de forma mais eficiente os gastos públicos, o Ministério Público tem atuado como importante órgão de combate à corrupção e o Judiciário (em particular, o STF) tem se tornado um ator político fundamental no acompanhamento e julgamento das ações dos outros poderes. Como resultado, os políticos são cada vez mais cobrados, fiscalizados, julgados e condenados do que anos atrás.

Algo importante a ser destacado no texto de Santos é o enfoque dado ao surgimento de corrupção nos países capitalistas. Se é verdade que a corrupção se encontra disseminada nos países onde o capitalismo se conjuga com a democracia, não podemos dizer que não há corrupção em países onde não há um sistema de transparência e integridade eficazes. Qual seria o tamanho da corrupção na China, na Rússia ou na Coréia do Norte? Simplesmente não sabemos. Não se pode afirmar o tamanho da corrupção em tais países.

Outro aspecto importante a se mencionar é que, pelo menos em teoria, países com punições desenhadas para se diminuir a corrupção são aqueles em que a corrupção é mais custosa, e, portanto, ela ocorre menos. Não é à toa que o Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional aponta como menos corruptos países que tem incentivos para serem menos corruptos em função de seus desenhos institucionais. Noruega, Dinamarca, Suécia, Cingapura e Nova Zelândia são países que sempre configuram como os menos corruptos.

Fica, então, uma pergunta por responder: por que políticos racionais, que desejam reeleição, se engajam em atividades ilícitas que podem por fim as suas carreiras? A resposta repousa na impunidade e nas regras institucionais que facilitam que a corrupção ocorra.

O mainstream da ciência política brasileira nos diz que o funcionamento das instituições políticas ocorre de maneira eficaz. Consideramos o argumento valido, necessário, mas insuficiente. Funciona bem, mas parcialmente. Se é verdade, que, em plena crise atual do impeachment, os três poderes federais (Executivo, Legislativo e Judiciário) têm efetivamente funcionado em algum grau, este não é o grau necessário para se ter eficiência. O argumento de que as instituições políticas brasileiras funcionam fica a despeito da devida atenção ao tema da qualidade da democracia.


Podemos, agora, voltar à pergunta inicial do artigo. Para onde vamos? O governo Temer tem se empenhado em reformas-chave para estabilização econômica, como a da previdência. O que podemos concluir é que as reformas econômicas também são necessárias, mas insuficientes, para manter o funcionamento do regime. É aí que o tema da reforma política surge, para que se evite um novo abalo, ou mesmo um colapso das instituições políticas. Mantidas as condições do sistema eleitoral, do sistema de financiamento de campanhas, do aumento da fragmentação partidária, da manutenção da atual lei de licitações e pouca transparência pública iremos apenas adiar uma nova crise. Se o governo Temer tem interesse ou mesmo fôlego para passar reformas que mexem com interesses dos políticos é o que o futuro irá nos dizer. O cenário é nebuloso e qualquer reflexão bem feita exige cautela.

* Doutor em Ciência Política (UNICAMP). Professor Adjunto (UFPI).
** Pós-Doc (PUC-Rio).