terça-feira, 10 de junho de 2014

Embate Judiciário-Legistaltivo: quem define a dança das cadeiras?

Por Vítor Sandes* e Leon Victor de Queiroz**

O modelo proporcional, adotado pelo Brasil para a representação na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, tem como objetivo representar, de forma mais ampla, as opiniões de grupos minoritários do eleitorado em contraposição ao modelo majoritário. No Brasil, o critério da proporcionalidade também é utilizado para determinar o número de cadeiras em disputa. Em recente decisão, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) enfrentou o Congresso e mudou o número de deputados, tendo em vista ajustar a proporcionalidade da representação na Câmara e nas Assembleias ao tamanho da população dos estados. 

Com esta decisão, quatro estados nordestinos (Alagoas, Piauí, Paraíba e Pernambuco), dois do Sul (Paraná e Rio Grande do Sul) e dois do Sudeste (Espírito Santo e Rio de Janeiro) perderam cadeiras na Câmara dos Deputados e outros cinco ganharam: Ceará, Pará, Amazonas, Minas Gerais e Santa Catarina. Certamente o imbróglio terminará com uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), decidindo se o ajuste, de fato, valerá e, em caso positivo, a partir de quando (a partir destas eleições ou somente para 2018).

O número de deputados federais por estado deve ser proporcional ao tamanho da população de cada unidade federativa, conforme o artigo 45 da Constituição Federal (CF). O cálculo das bancadas estaduais foi regulamentado pela Lei Complementar nº 78 de 1993. Ela define que os critérios se basearão na proporcionalidade da população, não ultrapassando o máximo de 70 deputados federais e nem poderá possuir número inferior a oito. Além disso, deve-se observar o máximo total de 513 deputados federais.

Já o número de deputados das Assembleias Legislativas é determinado conforme a representação estadual na Câmara dos Deputados. Conforme o artigo 27 da Constituição, essa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados quando for até 12 deputados. Caso haja mais de doze deputados federais, o número de estaduais será 36 acrescido do número de deputados federais acima de doze. O estado do Piauí, por exemplo, perdeu duas cadeiras na Câmara dos Deputados, passando de dez para oito, ficando com 24 deputados estaduais, seis a menos do que o número atual de parlamentares. Em Pernambuco, que detinha 25 cadeiras federais e 49 estaduais [3x12+(25-12)], caso fique com 24 cadeiras federais, contará com 48 estaduais. Ou seja, para os Estados que têm representação superior a 12 deputados federais o impacto será menor. 

Parte das reclamações dos políticos de estados prejudicados se centra na interferência do Judiciário em decisão tomada pelo Legislativo Federal. Segundo os deputados contrários à decisão do TSE, este invadiu a competência da Câmara dos Deputados ao derrubar a validade do decreto legislativo que mantinha o número de parlamentares por estado. 

Considerando os aspectos legais, a não atualização da proporcionalidade descumpre a lei complementar nº 78/1993, que incumbiu ao Tribunal Superior Eleitoral a obrigação de informar aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) o número atualizado de vagas em disputa. Cumprindo com sua obrigação legal, o TSE informou em 9 de abril de 2013 (mais de um ano antes do pleito de 2014) o número de deputados federais, atendendo a um pedido da Assembleia Legislativa do Amazonas, cuja resposta veio em forma de Resolução. Em 28 de novembro de 2014, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de decreto legislativo sustando os efeitos da resolução do TSE. O cerne da questão é o embate entre uma Resolução de um Tribunal Superior, do Judiciário portanto, e um Decreto Legislativo que se baseia no art. 49 da Constituição Federal que estabelece ser competência exclusiva do Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo quando extrapolam o poder de regulamentar ou os limites da delegação legislativa. 

Caberá ao STF decidir se a subdelegação da Lei Complementar 78/1993 é constitucional ou não, já que o artigo 49 da Constituição determina que o número de deputados federais seja definido por Lei Complementar e não por órgão do Judiciário. A tendência da Suprema Corte é a de manter a resolução do TSE, admitindo suas competências administrativas e regulatórias em matéria eleitoral e, inclusive, entrar na questão de que caber ao Congresso definir sua composição é praticamente manter a distribuição das cadeiras inalterada. Se o Legislativo tiver essa prerrogativa, dificilmente as bancadas estaduais irão seguir a proporcionalidade e correr o risco de perder parlamentares na Câmara dos Deputados. 

* Professor de Ciência Política (UFPI) e Doutorando em Ciência Política (UNICAMP).
** Doutorando em Ciência Política (UFPE).