quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Vencedores sob distintas formas

Por Humberto Dantas*

Diversos analistas buscam apontar os partidos vencedores, e os grupos derrotados nas eleições de 2012. Uma mesma legenda, por vezes, é colocada em ambos os lados. A maioria das avaliações dá conta apenas dos partidos que tiveram políticos eleitos para a prefeitura, mas e o cargo de vice? E a presença na coligação? Como ignorar siglas que, provavelmente, farão parte dos governos a partir de 2013?

Com base exclusivamente nas capitais realizamos um exercício simples: um partido vai receber cinco pontos se elegeu o prefeito, três pontos se indicou o seu vice e um ponto se estava na coligação vencedora. É claro que nesse último caso, existe grande diferença entre receber o apoio de um partido pequeno e contar com a colaboração de um gigante. Em Belo Horizonte, por exemplo, o PSDB era “mero parceiro” de chapa do PSB do reeleito Marcio Lacerda, que teve como vice o PV. O erro, nesse caso, é ofertar aos tucanos o mesmo peso do PSL, mas o exercício revela curiosidades que merecem atenção.


CABEÇA
VICE
COLIGA
CIDADES
PONTOS
PONTOS
5
3
1
PSB
5
3
5
13
39
PSDB
4
2
3
9
29
PT
4
2
6
26
PP ¹
2
3
7
11
26
PPS
1
4
8
13
25
PDT
3
1
6
10
24
PMDB
2
3
1
6
20
PSD
1
1
6
8
14
DEM
2
4
6
14
PR
2
7
9
13
PC DO B
3
4
7
13
PTN
12
12
12
PTC
1
7
8
12
PV
2
5
7
11
PRB
9
9
9
PSDC
9
9
9
PSC
8
8
8
PMN
8
8
8
PRP
7
7
7
PTB
6
6
6
PSL
6
6
6
PRTB
5
5
5
PT DO B
5
5
5
PSOL
1
1
5
PHS
4
4
4
PPL
4
4
4
PCB
1
1
1
¹ Fez chapa pura em Campo Grande

A primeira delas está associada ao número de capitais onde os partidos, de maneira geral, se sagraram vencedores. O tão observado PSB, que conquistou o maior volume de capitais do país (5) é também a legenda que mais participou de grupos vencedores. Ao todo foram 13, ou seja, metade das capitais do Brasil terá, muito provavelmente, antes mesmo das composições entre Executivo e Legislativo, o PSB no governo. O número é idêntico ao registrado pelo PPS, que apesar de passar por um processo de desidratação nos últimos anos, conquistou Vitória-ES e emplacou quatro vice-prefeitos pelo Brasil. Em terceiro lugar uma curiosidade: o PTN, Partido Trabalhista Nacional. Apoio é algo que não se despreza na política, mesmo que venha de partidos pequenos, diz o discurso corrente. Curioso, nesse caso, que a legenda criada a partir da família Abreu em São Paulo escolha tão bem o lado em que joga. Ainda no campo das curiosidades, o PP aparece como único partido a vencer as eleições em uma capital com chapa pura, em Campo Grande-MS. Por fim, o PT mostra que cobrou caro seu apoio. Em nenhuma capital, ao menos no que diz respeito às alianças vencedoras, o partido apoiou alguém sem, pelo menos, apontar o vice.

Quando aplicados os critérios de pontuação destacados, o PSB e seus cinco prefeitos, três vices e cinco apoios marcou 39 pontos e, nas capitais, demonstra que é o grande vencedor. Dez pontos atrás vem o PSDB, em segundo lugar com quatro capitais, dois vices e três apoios. Com 26 pontos vem o PT, que tem números idênticos aos dos tucanos, com exceção aos apoios que não foram dados, ou não lograram êxito. E justamente porque apoio pontua, encontramos o PP com os mesmos 26 pontos e suas duas prefeituras, três vices (somando a chapa pura) e sete apoios. Com 20 pontos ou mais ainda aparecem o PPS (25), o PDT (24) e o PMDB (20). Em seguida, a legenda debutante e sua principal fonte alimentadora: PSD e DEM têm 14 pontos e são seguidos pelo PR com 13. Em matéria de grandeza, as eleições nas capitais mostram que os partidos mais fortes continuam dominando o cenário nacional, sendo necessário observar com atenção as habilidosas conquistas do PSB.

* Doutor em Ciência Política (USP)

sábado, 3 de novembro de 2012

Impactos do julgamento do mensalão

Por Vítor Sandes*

O “mensalão” foi um esquema político que visava à conquista de apoio legislativo a partir do pagamento de propinas para congressistas ocorrido durante o Governo Lula e denunciado em 2005. Pelo número de pessoas envolvidas, participação direta de lideranças do PT (partido do Presidente da República desde 2003) e pela repercussão dada pela mídia, este tem sido o maior escândalo político da República brasileira. A imprensa tem noticiado os possíveis impactos sociais, políticos e eleitorais do julgamento dos envolvidos. A seguir, apresento algumas considerações que teci a uma jornalista sobre a temática.

Falar dos impactos sociais e políticos de um julgamento que ainda está ocorrendo é um exercício de futurologia, ou seja, são difíceis de serem mensurados, o que leva à divergências na avaliação de analistas quanto aos reais impactos do "mensalão" (ver link 1 e link 2). Longe de esgotar o assunto (para avaliar melhor a questão seria necessária uma pesquisa acadêmica), penso que é possível pensar em algumas consequências que poderão se desenvolver em médio e longo prazo: 1) diminuição da prática de conquista de apoio legislativo por meios ilícitos, devido aos riscos envolvidos na ação; 2) maior transparência e acesso às informações públicas, o que facilita o acompanhamento das atividades do governo e do legislativo pelo cidadão e instituições de controle (do Estado e da sociedade civil); 3) maior controle dos Tribunais quanto às prestações de conta dos financiamentos de campanha dos candidatos; e 4) ampliação da confiança dos brasileiros nas instituições, devido à queda da percepção de impunidade.

Quanto aos impactos eleitorais, é válido afirmar que muitos eleitores podem ter deixado de votar no partido por conta do “mensalão”, dado o período de realização do julgamento. Mas daí afirmar que isso tenha sido decisivo na derrota de candidatos petistas é um erro. As eleições municipais, em geral, debatem temas locais. As grandes questões nacionais serão debatidas em 2014. Além disso, os políticos que concorrem aos cargos eletivos, com maior chance de obter êxito eleitoral, possuem histórico na localidade em que eles se candidatam e, por isso, os eleitores que optam pelo candidato já conhecem sua trajetória. Para evidenciar o pouco impacto disso no desempenho do PT, observa-se que o partido teve um bom desempenho eleitoral, elegendo o terceiro maior número prefeitos.

Processos de corrupção na arena eleitoral e governamental tenderão a existir com alguma regularidade, devido às lacunas da legislação e à própria dificuldade de se descobrir, apurar e provar irregularidades. A tendência é a criação de constrangimentos institucionais para que aumentem os custos dos atores políticos cometerem tais atos. Soluções para as ditas “mazelas” do sistema político brasileiro sempre aparecem, como a proposta realização de uma ampla reforma política e eleitoral (que inclui o financiamento exclusivamente público). Porém, é a capacidade das instituições e do cidadão em controlar a classe política que pode ter maior impacto na diminuição das práticas de corrupção no país.

*Doutorando em Ciência Política (UNICAMP)

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Quando a política abraça a religião

Por Leon Victor de Queiroz*

A maior parte das pessoas não segue uma religião específica ou se diz católica não praticante, o que na prática dá no mesmo. Entretanto, uma minoria frequenta igrejas e templos de denominações neopentecostais, cujo ensino da Bíblia é feito sem o menor questionamento. Um Padre leva anos até concluir o seminário e ser ordenado. Pastores de outras denominações passam um bom tempo estudando e interpretando a Bíblia. Para essas novas denominações que além de templos gigantescos possuem rede de Rádio e de TV, para ser pastor basta conhecer a Bíblia e pregá-la, ou seja decorar e ajudar a memorizar. Mas o que isso tem a ver com política?

Não é fácil convencer o eleitor. O ex-presidente Lula participou de três eleições nacionais antes de se tornar Presidente da República vencendo a quarta disputa. E para tanto, mudou o discurso e até a forma de se apresentar ao eleitorado. Seu maior adversário, José Serra, também vem mudando a forma como se apresenta para o eleitor, mas não consegue parar de perder votos. 

Por que então, o eleitor é tão volátil? Porque ele possui capacidade de questionar. Eleitores se questionam o tempo todo. Questionam o porquê de votar em um candidato em detrimento de outro. O questionamento também é a base da Ciência. Todo projeto de pesquisa começa com uma boa pergunta de pesquisa. 

Aquela minoria frequentadora de templos e crentes na Bíblia cresceu, ainda sendo minoria, é uma grande minoria capaz de eleger vereadores, deputados e senadores. Não é à toa que possuem até partido político, o Partido da República – PR, que na verdade está mais para o Partido Religioso. Mas, o que essa minoria religiosa tem a ver com a política? São eleitores que não questionam, assim como fazem com a Bíblia, creem no que o Pastor lhes diz. Se o pastor é o próprio candidato, votam sem questionar. Se o pastor apresenta outro candidato, fazem o mesmo. Ou seja, são uma grande minoria do eleitorado que é de fácil convencimento. Facilita até a contabilidade da corrupção. Em vez de pagar a cada cabeça, o dinheiro pode ir direto para o pastor, considerando o número de fieis, evidentemente. 

O Brasil não é um país católico. Uma maioria não é capaz de falar pela minoria. O Brasil é um país de católicos, protestantes, espíritas, ubandistas, judeus, mulçumanos, budistas, zoroastristas, ateus, agnósticos, deístas, a lista não para. Querer impor valores católicos ou protestantes a todos esses grupos é agir com tirania. Todos esses subgrupos possuem valores comuns e são esses valores que devem prevalecer. O espaço público e as leis são para todos. Governar com valores cristãos é imprimir aos não cristãos uma cultura estranha. Um governo laico não impõe nada contrário ao que esses grupos acreditam. O governo laico ao realizar o aborto não obriga que a cristã aborte, tão somente dá a opção a quem não crê na Bíblia. Se o governo laico permite o casamento civil homoafetivo, o cristão ou judeu ou budista ou ateu não é obrigado a casar, tão somente os homossexuais terão o direito de fazê-lo sem que com isso fira os preceitos bíblicos. 

Os efeitos da Bíblia devem ser restritos somente a quem nela crê, do contrário reproduziremos as disputas religiosas que tanto envergonharam os tempos medievais. Não há um só Deus, ou uma só verdade ou uma só conduta. Permitir que os incrédulos se comportem diferentemente da Bíblia é o primeiro passo para garantir a convivência de todos no mesmo espaço público. Da mesma forma que é assegurado ao crente andar vestido de acordo com sua crença e com a Bíblia na mão, deve ser assegurado o direito aos incrédulos de se comportarem de acordo com o que acreditam e a Lei permita.

* Doutorando em Ciência Política (UFPE) e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos (UFMG).

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Crise, partidos e democracia

Por Fernando Bizzarro*

Não sou dado a grandes discussões normativas. Meu negócio são variáveis, hipóteses e níveis de significância. Mas ofereço aos colegas do Dados Políticos uma primeira contribuição normativa e teórica. Prometo que trabalharei para que isso não se repita muito frequentemente.

Discuto aqui o possível papel dos partidos políticos no futuro da democracia nos países em que a crise econômica corrói não apenas parte da liquidez do sistema financeiro (em grande medida já recuperada), mas também o pacto social e político que tem sustentado esses regimes. Demonstrarei como, nas condições atuais, os partidos políticos estão em condição significativamente mais vulnerável para sustentar a democracia que estiveram em outros momentos. Ao mesmo tempo argumentarei que os desdobramentos da crise econômica atual dificilmente serão, do ponto de vista político, semelhantes àqueles da crise de 1930 por uma razão simples: porque em 30, eles não tinham a experiência do fascismo para informar-lhes. Isso me levará a uma conclusão aparentemente otimista, mas insegura, de que ainda que a crise desafie a democracia, o final do regime ainda está longe.

A história ensina que crises econômicas de grande magnitude foram normalmente seguidas por profundos processos de realinhamento político. Para termos alguns exemplos, a crise de 30 não só contribuiu para a falência da República de Weimar – impulsionada pelas contradições institucionais do regime – como produziu, no caso dos EUA, a coalizão do New Deal que, posteriormente, produziria o profundo realinhamento do sul do país que hoje ainda delimita as estratégias de Obama e Romney. Na América Latina, a crise dos anos 80 produziu o que Michal Coppedge chamaria de um processo de “darwinismo político”, que enfraqueceu parte significativa dos partidos governistas e impulsionou o surgimento de novos partidos e movimentos políticos.

(Não é impossível afirmar que em grande medida, a crise dos 80 no Brasil encerrou o modelo político baseado na disputa Ditadura x Oposição (MDB) ao tirar o PMDB do jogo nacional, abrindo espaço para o realinhamento de 1994 que produziria a disputa entre PT e PSDB.)

A crise contemporânea, especialmente na Europa, ainda não produziu tal realinhamento. Provavelmente porque ela ainda está em curso e porque ainda estamos no primeiro ciclo eleitoral pós-crise. Nessa primeira onda, ela produziu um movimento pendular, fazendo com que governos de direita fossem substituídos por governos de esquerda (França) e vice-versa (Inglaterra, Espanha), ainda dentro das opções políticas existentes no contexto pré-crise.

O que ocorre é que provavelmente os custos sociais e políticos dessa crise não serão superados pelos novos governos (primeiro porque não haverá tempo, segundo porque são elevados), e também eles – eleitos para consertar a crise deixada por seus sucessores – serão incapazes de fazê-lo. Assim, o sistema político contemporâneo será colocado em xeque.

Na década de 30, nos países em que a democracia resistiu ao choque econômico, os partidos políticos democráticos eram uma potência institucional cantada em prosa e verso até hoje pelos saudosos dos partidos de massa. Nesses contextos, eles foram capazes de garantir por dentro da democracia a realização das tarefas institucionais (formação de governo, seleção de candidatos) e sociais (agregação e representação de interesses, socialização política) exigidas das instituições políticas mesmo em uma situação de grave crise econômico-social.

A essa altura o leitor já deve ter antecipado a pergunta que farei em seguida – e a resposta a ela. Estão os partidos políticos atuais em condições de fazer o mesmo que seus avós do começo do século XX? É evidente que não. A vastíssima literatura sobre a crise ou não-crise dos partidos pode discordar em muitos pontos, mas concorda que os partidos de hoje não são os partidos de ontem (parafraseando Schmitter). Ainda que eu não me filie aos que enxergam os partidos como instituições fadadas a morrer, reconheço como boa parte da literatura, que parte das funções exercidas pelos partidos de massa não são mais realizadas pelos partidos atuais.

Retomando a divisão de funções realizadas pelos partidos que mencionei acima (institucionais e sociais), é certo que – como afirmam Bartolini e Mair – os partidos políticos estão muito mais preparados e dedicados para suas tarefas institucionais que para sua “função social”. O que decorre dessa afirmação é a dúvida de que, em um contexto de crise econômica e social como a que nos encontramos, os partidos “mais limitados” que temos hoje sejam capazes de garantir a continuidade da democracia. Em um contexto em que projetos políticos, econômicos e sociais são exigidos para lidar com os desafios que a realidade impõe, partidos eleitoral-profissional, cartel, “de quadros modernos”, whatsoever, estão em condições de fazê-lo?

Isso significa que eu preveja um futuro nebuloso, dominado pela extrema-direita e pela extrema esquerda, como ocorreu oitenta anos atrás, em que a democracia foi superada em diversos contextos? Não, primeiro porque seria uma expectativa infundada esperar o mesmo roteiro para duas histórias em contextos tão diferentes quanto as novas democracias da década de 1930 e o mundo globalizado da década 2010.

Ainda que a situação de crise econômica seja semelhante, esses oitenta anos que as separaram produziram sociedades diferentes, marcadas por outros padrões de agregação social, distribuição geográfica, fluxo de informação e formas de mobilização.

Segundo e principalmente porque temos o que eles não tinham: a experiência dos regimes totalitários do século XX, fascista e comunista, e todo o aparato, cultural e institucional que surgiu como desdobramento dessa experiência. Vejam que com isso, não apenas reafirmo minha convicção na percepção individual das vantagens da democracia sobre regimes alternativos, mas sustento que há garantias institucionais que não podem ser esquecidas que podem evitar que isso aconteça (essa ressalva eu devo a Madison, que nos papéis federalistas nos lembra que ainda que a democracia satisfaça os interesses individuais, a história ensinou que é sempre bom ter instituições que a garantam).

Assim, ainda que os partidos não sejam completamente capazes de fazer frente aos desafios que se colocam, creio que eles podem se apoiar em instituições que com eles podem operar para garantir a manutenção do regime democrático. Isso significa que no futuro próximo a democracia não parece, a mim pelo menos, ameaçada. O que evidentemente não significa que os partidos podem dormir o sono dos justos. A recuperação – mesmo que reconfigurada – de sua função social é fundamental ao futuro.

* Mestrando em Ciência Política (UNICAMP) e pesquisador convidado no Kellogg Institute (Universidade de Notre Dame).

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

ACM Neto e o carlismo na Bahia

Por Cláudio André de Souza*

A derrota de Antônio Carlos Magalhães nas urnas em 2006 precipitou em alguns a convicção do fim do carlismo na Bahia. Embora as alianças do governador Jacques Wagner (PT) incorporaram grande parcela da base partidária derrotada, a permanência do grupo carlista como a segunda força política do Estado reforçam a conclusão de que o espólio político de ACM segue protagonizando a política baiana. Atualmente, o líder deste projeto é o Deputado Federal ACM Neto (DEM).

A sua segunda candidatura a Prefeitura de Salvador representa sobretudo um projeto partidário nacional, que busca continuar existindo diante da insignificância cumulativa com a perda de espaço nas últimas eleições federais. A criação do PSD enquanto dissidência do DEM consolidou esta crise vivida desde a vitória de Lula em 2003. 

O propósito da candidatura também é a permanência do DEM como a segunda força política do Estado. Desse modo, a liderança na intenção de voto de ACM Neto em todas as projeções realizadas representa o esforço de um projeto local que também se baseia em uma articulação nacional. Trata-se da principal candidatura do partido e um dos principais palanques para a caminhada da oposição ao PT em 2014. 

As últimas pesquisas eleitorais refletem o crescimento da candidatura do petista Nelson Pelegrino e expressam a tendência de melhor pontuação do ex-prefeito, empresário e radialista Mário Kértsz (PMDB). Porém, esse cenário exclui uma queda na intenção de votos em ACM Neto. Os outros sobem, mas ele não decresce.

A tradução até aqui destes resultados revela a candidatura democrata como “mudança”, ao mesmo tempo em que a campanha promove de toda forma um resgate sutil do avô na campanha em jingles e slogans que afirmam faltar liderança e alguém para defender Salvador. Tal discurso se assemelha a estratégia do avô no inicio da década de 1990, consolidando seu retorno ao governo do Estado após derrota para Waldir Pires (PMDB) em 1986. 

A “continuidade” nesta eleição é o PT, fruto do governo estadual, percebido como responsável em parte pelos problemas políticos e administrativos vividos na cidade. A intenção de voto no candidato petista esbarra na avaliação do governo estadual feita pelo eleitor, bem como o “vazio” administrativo na cidade. O êxito do PT perpassa pela condição de defender o que foi feito em Salvador pelos governos estadual e federal.

Neste raciocínio do eleitor soma-se a percepção em parte do eleitorado que o carlismo sempre inspirou eficiência nas questões administrativas e de infraestrutura, uma vez que a corrupção não é um desvio para poucos. Isto justifica, em parte, a imersão de ACM Neto em um discurso de modernização administrativa da cidade. Sabe ele que não tem como prometer demais, já que não pertencerá ao grupo político governista em nível estadual e federal, ambos sob a liderança do PT. Seu discurso se volta, portanto, às questões internas. 

Surge novamente nestas eleições o discurso técnico de capacidade de gestão a partir das indicações sem carimbo partidário. Mais uma vez se assume o valor pela “tecnocracia” semelhante ao que o carlismo defendera ao longo do tempo, ou seja, a ocupação dos cargos políticos com nomeações de perfil eminentemente técnico, como Mário Kertész, que se tornou aos 26 anos Secretário Estadual de Planejamento.

ACM Neto tem chances de sagrar-se vitorioso nas urnas no primeiro ou no segundo turno, mas, sua candidatura ratifica uma conjuntura de retorno potencial do DEM ao cenário politico baiano, acenando para uma encarnação que se exprime nas elites, mas, sobretudo, na sociedade civil. O carlismo assume na campanha de Salvador um caráter emblemático na medida em que mesmo que ACM Neto não propugne o retorno do carlismo, não se afasta dele em nenhum momento, mesmo se cogitando alianças e compromissos ousados ao conservadorismo do seu partido. 

A sustentação precária de sua candidatura em uma coligação com pouca relevância eleitoral (caso do PSDB, PPS, PTN e PV) na Bahia dará trabalho às análises futuras necessárias em torno do fenômeno carlista e do que resultará esta candidatura nas urnas enquanto poder simbólico, politico, econômico, cultural, etc. As urnas indicarão quais fenômenos serão observados daqui em diante.

* Professor de Ciência Política da Universidade Católica do Salvador e Doutorando em Ciências Sociais (PPGCS/UFBA).

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Greve e representação política


Por Cláudio André de Souza*

Ainda não é possível compreender a magnitude do impacto da onda de greves dos servidores federais nas eleições locais da onda de greves dos servidores federais. No entanto, a popularidade do governo e a dinâmica singular das eleições municipais afastam a priori o naufrágio antecipado do PT. Vale lembrar que escândalos e desgastes com segmentos da sociedade não impediram a reeleição de Fernando Henrique Cardoso em 1998. No pleito de 2002 a volta de Antônio Carlos Magalhães foi consumada nas urnas após ter renunciado ao mandato por violação de sigilo do painel eletrônico da Casa. 

Embora se saiba que estas greves pouco apontam uma iminente crise política do governo, é fato a disputa de interesses no conjunto da “base aliada” do PT na sociedade civil, particularmente no movimento sindical, que obteve significativos ganhos salariais e reformulação de carreiras nos dois governos do Presidente Lula. O atendimento parcial dos interesses sindicais no período de Lula representou um conjunto de fatores (inclusive de vontade política), ou seja, as contingências do governo Dilma não se expressa, talvez, somente por razões econômicas.

O conflito entre governo e movimento sindical adquire maiores proporções ainda pela militância intensa dos partidos de esquerda que se opõem ao PT: o PSOL, PCB e PSTU. Não é a toa que algumas mobilizações têm sucedido em segundo plano um acirramento no interior das categorias, especialmente, em torno das propostas e da postura em relação ao governo do PT. Estas disputas adquirem contornos partidários. Tais conexões entre sociedade civil e sociedade política são, sobretudo, características da democracia.

Sendo complexo afirmar que o desempenho eleitoral do PT sofrerá abalos com as greves, é essencial observar a articulação dos atores políticos que, em grande medida, são os pilares da presença e influência do partido nos movimentos sociais. A mobilização sindical antes de um projeto eleitoral interessa estrategicamente aos pequenos partidos de esquerda, pois valorizam a influência dos movimentos sociais acima do êxito nas eleições, porém, isso não exclui a oportunidade de desgastar o PT entre os segmentos de influência do partido na sociedade civil. 

Vale a pena se atentar, portanto, ao desempenho eleitoral destes partidos, mas, sobretudo, a influência nos movimentos sociais daqui em diante, ainda um território da política com grande influência do PT, mesmo após a transformação do seu projeto político, que foi homologado pela eleição de Lula em 2002. Tais mudanças do partido não significaram um rompimento com a sociedade civil, pois também se torna essencial perceber que ainda é o PT o partido mais significativo no movimento sindical, logo, a representar politicamente tais segmentos nos parlamentos. Se as greves irromperam novas lideranças do PT da sociedade civil para a sociedade política nas eleições subsequentes a sua fundação, as greves em andamento talvez não tomem rumos estranhos a esta lógica. Neste aspecto, as greves podem indicar mudanças políticas no interior dos movimentos e até no staff eleitoral do próprio partido. A greve é um indicativo de mobilização, mas, sobretudo, de representação política.

* Cientista político, professor e doutorando em Ciências Sociais (UFBA). E-mail: clandresouza@gmail.com

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Menos holofotes e mais lupas: para entender o caso Demóstenes

Por Luiz Fernando Miranda*

Fonte: Senado Federal
Quando há um caso de corrupção que vira escândalo e esse escândalo ganha dimensões nacionais e "cai na boca do povo" o que normalmente a população espera é que a "justiça seja feita". Entretanto, se quisermos entender melhor os meandros da política temos que prestar atenção aos detalhes em torno de tal evento.

O ex-senador, e atual membro do Ministério Público goiano, Demóstenes Torres teve recentemente seu mandato cassado por quebra de decoro parlamentar em função de suas ligações com o "empresário" Carlinhos Cachoeira. Foi notório um sentimento de alívio e satisfação por parte da opinião pública e de justiça por parte da cobertura da mídia, principalmente pela sensação de impunidade em casos como esse. Ao que nos conste ele foi o segundo senador a perder o mandato por tal motivo.

Em política, os acontecimentos costumam dar-se ao inverso do que parecem, em outras palavras, nem sempre o que parece é. Isso nos obriga a uma reflexão mais profunda. Qual teria sido a causa da cassação de Demóstenes? Um perfeito funcionamento institucional? A criação de um bode expiatório onde todos estariam comprometidos? Uma boa repercussão eleitoral? Manda a prudência científica dizer que ainda não sabemos (e que fique bem claro: nem sempre temos instrumentos para saber).

Decorre, então, uma velha pergunta: o que fazer? Precisamos achar as peças e montar nosso quebra-cabeça. Podemos perguntar: houve quantos julgamentos deste tipo para duas condenações? O que disseram acusadores e defensores sobre tal assunto? Quantos pedidos deste tipo foram arquivados? Podemos também ver o desfecho da CPI. Até o momento, a Comissão pouco avançou em comprovar o envolvimento de políticos com o empresário Carlinhos Cachoeira.

Um debate estrutural parece ter passado desapercebido frente a tantas denúncias e informações: o fim do voto secreto no Senado (para cassações de mandato). Este é um espinhoso debate político-jurídico que nossa Constituição nos deixou com fim de resguardar a opinião dos legisladores frente a uma ditadura recém acabada e que, dada a consolidação democrática, volta-se contra nós mesmos.

Por fim é preciso dizer que o caso Demóstenes e a CPI do Cachoeira ainda aguarda o seu final e que esta análise é parcial. Para usar uma alegoria secular é preciso olhar a sombra (os dados que temos disponíveis) sem acreditar que ela seja realmente o sujeito. 

* Doutorando em Ciência Política (UFF)

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Sobre abraços e apertos de mão

Por Vítor Sandes*

No mundo da política, ano eleitoral é um período de abraços e apertos de mão, que selam acordos e alianças políticas dos mais variados tipos provocadas por uma multiplicidade de motivos (busca de cargos, decisões tomadas pela cúpula nacional e estadual do partido, interesses individuais das lideranças partidárias em obter recursos de poder etc.). Alianças unem partidos e lideranças políticas, fortalecendo candidaturas. Contudo, nem sempre tais acordos são selados com base em questões programáticas. Na política, óleo e água podem se misturar e se apresentar sob um só rótulo. Questões programáticas podem ser deixadas de lado e rixas políticas antigas podem virar apenas longínquas recordações de um passado de disputas ideológicas.

Talvez, estejamos falando da própria dinâmica que a política brasileira tem assumido nos últimos anos, que tem levado à formação das mais variadas alianças, mesmo que essas possam unir partidos e lideranças apenas durante o período eleitoral, ou seja, somente visando fins eleitoreiros. A estratégia dos partidos tem sido cada vez mais pragmática, visando a angariação de apoio político, da aquisição de maior tempo no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) e de mais recursos políticos e econômicos para as candidaturas. Estratégias exclusivamente programáticas parecem ter perdido espaço numa dinâmica em que as eleições majoritárias se mostram acirradas e, consequentemente, dependentes do estabelecimento de acordos com os mais variados atores políticos.

Assistimos ao estabelecimento da aliança PT-PP nas eleições de São Paulo. Nada teria de estranho na coligação entre os dois partidos, já que os mesmos são aliados no nível federal e tem replicado a mesma aliança em outras regiões do país. Porém, em São Paulo não houve a união apenas dos dois partidos, mas também de lideranças políticas que, no mundo da política programática, nunca dialogaram: Paulo Maluf e Lula. A imagem que sela o acordo entre PT e PP (Lula apertando a mão de Maluf), também expõe o modo como acordos tem sido estabelecidas na arena eleitoral, ou seja, visando a conquista de maior base eleitoral e mais recursos políticos e econômicos para a campanha eleitoral. 

Paulo Maluf obteve 497.203 votos para deputado federal nas eleições de 2010. Foi o terceiro candidato mais bem votado no estado de São Paulo. Só na capital paulista, conquistou 275.735 votos, ou seja, 55,45% do total de votos conquistados por ele. Maluf, apesar de ser uma liderança decadente, ainda possui uma base eleitoral significativa. Ao se aliar ao PP e ao Maluf, a estratégia petista em São Paulo não visa apenas obter uns minutos a mais no HGPE, mas sim busca atingir o eleitorado malufista da capital paulista. A coligação que une PP e PT pode, assim, potencializar a candidatura de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo. Ao firmar essa aliança, o PT paulistano busca pragmaticamente ampliar a base eleitoral de sua candidatura, mesmo que suas principais lideranças tenham um claro descompasso em suas trajetórias políticas.

Partidos que buscam a vitória no mercado eleitoral, como o PT, tem abandonado a inflexibilidade no estabelecimento de alianças. Velhas lideranças oposicionistas têm se aliado aos petistas, tem participado de governos do PT e este tem contado com seus apoios tanto nas eleições quanto no estabelecimento de coalizões de governo. A flexibilidade dos partidos na construção de alianças tem sido fruto do acirramento das disputas eleitorais e da necessidade que os partidos têm em obter postos estratégicos, como o caso da Prefeitura de São Paulo. Ademais, a flexibilidade dos partidos também tem possibilitado a construção de coalizões de governo que incluem uma série de aliados políticos, garantindo, assim, a governabilidade.

Então, se em termos de governabilidade o sistema político brasileiro vai bem, então, o que diremos em termos programáticos? Ou não há mais diferenças ideológicas marcantes entre os partidos, existindo apenas uma agenda governista e outra oposicionista, isto é, separados apenas pelo fato de ocupar ou não o poder político? De fato, essas diferenças têm diminuído e as grandes questões que dividiam os partidos durante a década de 1980 e 1990 tem se diluído com a avalanche governista. 

Em termos práticos, o sistema funciona: alianças e coligações são estabelecidas, candidatos ganham e outros são derrotados, lideranças surgem e outras perdem espaço, leis são votadas e aprovadas e mandatos são cumpridos no tempo determinado pela Constituição. A política institucional, então, passa a ser entendida como um jogo de xadrez e as eleições se resumem apenas ao estabelecimento de acordos pragmáticos pelos partidos na tentativa de conquista do poder político. Se essa for apenas uma relação entre instituições, compostas de normas e procedimentos, e de atores políticos, que traçam estratégias e realizam cálculos pela busca do poder, estamos bem. Caso contrário, precisamos repensá-la.

*Doutorando em Ciência Política (Unicamp)

terça-feira, 15 de maio de 2012

Quando as decisões políticas “batem no nosso bolso” é que temos nos mobilizado?

Por Bruno Souza*

Acompanhamos nos últimos dias, nos noticiários locais, a uma miríade de manifestações no âmbito municipal a respeito do aumento de salários de vereadores e aumento na quantidade de cadeiras em Legislativos Municipais. 

De acordo com dados da Confederação Nacional dos Municípios, cerca de 2.153 cidades brasileiras elevaram a quantidade de cadeiras nos Legislativos Municipais aproveitando a disposição da Emenda Constitucional 58/2008, segundo a qual fica a cargo das Casas Legislativas a decisão sobre a quantidade de cadeiras (respeitando-se um limite máximo por faixa populacional) para as legislaturas iniciadas em janeiro de 2013 assim como eventuais aumentos nos gastos da Câmara. 

Apenas para ilustrarmos a questão, no município de Ribeirão Preto, localizado no interior do estado de São Paulo, os vereadores haviam aprovado em dezembro de 2010 o aumento de 20 cadeiras no Legislativo para 27. Vários órgãos de representação de classe, como a CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) se manifestaram contrários ao aumento na quantidade de cadeiras. O movimento “20 vereadores bastam para Ribeirão”, composto por membros da sociedade civil organizada conseguiu coletar junto à população 31 mil assinaturas em forma de abaixo-assinado procurando encaminhar um Projeto de Iniciativa Popular à Mesa Diretora da Câmara para ser revisto o projeto que prevê o aumento nas cadeiras. 

Já no município de Araraquara, também localizado no interior de São Paulo, a aprovação de um aumento de 60% nos salários dos vereadores fez com que a sociedade questionasse a atuação dos parlamentares. O movimento “Reage Araraquara” montou uma cabine na porta de entrada do Legislativo Municipal e conseguiu coletar mais de 8 mil assinaturas dos cidadãos para demonstrar o apoio popular para que os vereadores recuassem da sua decisão. Na última Sessão Ordinária da Câmara um pequeno grupo representando o movimento entrou no Plenário munido de cartazes dizendo “VERGONHA!” e fizeram bastante barulho para chamar a atenção dos vereadores. 

No caso das capitais estaduais, o aumento na quantidade de cadeiras centrou-se, sobretudo, na atenção despendida pelos diretórios municipais dos partidos, os quais visualizam oportunidades de ampliarem sua atuação nos governos municipais. É o caso de João Pessoa (PB), Curitiba (PR), Salvador (BA), Rio de Janeiro (RJ), dentre outras cidades. 

O importante dos fatos diz respeito à atuação dos membros da sociedade civil. Sem sombra de dúvidas a democracia funciona de maneira “mais democrática” na medida em que as pressões políticas são feitas e a opinião pública contribui para o entendimento da população sobre as ações governamentais. O que aparentemente incomoda (e não pode ser deixado de lado) é o diagnóstico segundo o qual “quando a coisa bate no bolso” é que todos passam a se mobilizar com mais afinco, com maior veemência.  O aumento de salários e de cadeiras reverte-se em aumento nos gastos do Estado levando-se em consideração as despesas com salários pagos aos vereadores e, em vários casos, reformas nas dependências das Casas Legislativas para abrigarem os novos gabinetes dos parlamentares. 

Portanto, é preciso levar em conta que a movimentação da sociedade civil deve ser algo contínuo, um exercício de cobrança dos representantes que se faz no dia-a-dia da sua atuação parlamentar, cuja aprovação ou rejeição das suas atuações nós temos o poder de avaliar nas urnas. É preciso refletir sobre o quanto renovamos nossos representantes ou se estamos reproduzindo a lógica do “tanto faz” quem está me representando já que nada muda neste país. Por sua vez, os membros do Executivo e do Legislativo devem se preocupar com a sua legitimidade popular assim como os partidos. Por exemplo, os dados recentemente publicados por pesquisa da Escola de Direito da FGV-SP apontam que apenas 5% da população confia nos partidos políticos, um dado no mínimo alarmante. 

Na medida em que avançamos na conscientização sobre o valor da cidadania (e as pesquisas de opinião pública tem mostrado que o eleitor brasileiro vem se conscientizando sobre o que é ser cidadão no Brasil) nos acostumamos com os procedimentos democráticos. As pressões se tornam inevitáveis por transparências nas contas públicas, eficiência na elaboração de políticas e elaboração de canais institucionais que possibilitem dar voz aos eleitores nas instâncias decisórias. A educação política possui papel central para a formação dos cidadãos de hoje, dentre os quais, os jovens serão os representantes eleitos de amanhã. Isso não pode ser lido como um jargão político, mas um dado da realidade. Desse modo, as discussões políticas no nível municipal são importantes quando consideramos que é nesta esfera que o nosso cotidiano acontece e que a participação popular tem ocorrido de maneira mais promissora ou ao menos de modo mais palpável. 

Ao sermos ativos nas deliberações públicas resgatamos o sentimento de que estamos contribuindo para o processo democrático. Resgatamos, sem dúvidas, a esperança de que a política ainda faz parte das nossas vidas, que ela não nos escapa completamente entre nossos dedos. A auto-crítica, porém, é sobre quais as motivações ou sob quais interesses temos nos mobilizado. Os fatos têm apontado para as necessidades de curto prazo e aquelas que atingem diretamente "o bolso". Porém, os cidadãos devem ter em mente que as mobilizações devem ser constantemente construídas, visando práticas cada vez mais conscientes sobre seu real papel na sociedade. 

* Mestrando em Ciências Sociais (UNESP).

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O STF e suas decisões: entre a técnica e a política

Por Leon Victor de Queiroz*

Não podia ser diferente. Sempre que a suprema corte do pais, o Supremo Tribunal Federal , está diante de casos polêmicos cujos efeitos de suas decisões terão impacto na sociedade e não apenas entre os jurisdicionados, a celeuma está montada. 

Os juristas acusam o Tribunal de praticar ativismo e de usurpar a competência do Legislativo. Parte dos parlamentares engrossam o coro e reclamam da suprema corte. Mas há outro grupo que enxerga no STF o caminho viável para tomar as decisões que o Congresso, por omissão e/ou incerteza, não toma. 

O senso comum, reverberado pela Imprensa acusa a suprema corte de tomar decisões políticas. No mesmo sentido agem aqueles que se sentem prejudicados por elas. Mas o que é uma decisão política? Existe uma decisão puramente técnica? 

Madison, no artigo federalista 76, chamou a atenção para o fato de que o Judiciário seria, dos três poderes, o mais fraco. Porém, no pós-segunda guerra houve uma grande expansão do poder judicial na maior parte das democracias. O Judiciário desenhado por Madison é um pouco diferente daquele idealizado por Montesquieu. Porém, eles concordam em um sentido: O Judiciário é um dos três poderes políticos da República. 

Como nos Estados Unidos os juízes de primeiro grau são eleitos pela comunidade tendo poderes, inclusive, para inovar na ordem jurídica, ou seja, criar direitos devido ao sistema da common law, no Brasil os juízes são concursados (exceto os 20% dos tribunais e um terço do STJ, que são escolhidos entre advogados e membros do Ministério Público) e não podem inovar na ordem jurídica, tendo apenas que decidir conforme a lei, pois o nosso sistema é o da civil law (com traços do direito romano, francês, alemão, italiano e português). 

A nossa Constituição é sempre muito elogiada do ponto de vista social, mas a técnica jurídica não é um dos seus pontos mais fortes. Foram copiados desenhos institucionais de países cujo sistema jurídico diverge e muito do nosso. Assim se deu com o Supremo Tribunal Federal, cuja composição e processo de escolha foram copiados da Constituição americana e sua atuação constitucional importada do modelo austríaco criado por Hans Kelsen. 

Logo, o Supremo Tribunal Federal é um dos três poderes políticos (modelo madisoniano), é o guardião direto da constituição (modelo kelseniano) e é o órgão de cúpula de todo o Poder Judiciário (modelo germânico). Diante de toda essa mistura institucional, o Judiciário brasileiro, com exceção de sua suprema corte é formado por concursados, o que dá um caráter técnico às suas decisões. 

Então como poderiam ser classificadas as decisões do Supremo Tribunal Federal? Afinal, são técnicas, políticas ou ambas? O ideal para responder a essas questões é a análise de caso. Analisarei três casos-decisões: Células-tronco, união homoafetiva e Lei Ficha Limpa. 

Nas células-tronco toda a comunidade científica esperava que a Suprema Corte ignorasse a pressão religiosa e decidisse a favor do tratamento baseado nessa nova técnica que poderia salvar milhares de vida. A vida é o maior bem jurídico tutelado pelo nosso Ordenamento Jurídico. Logo, pode-se dizer que a decisão foi técnica. Mas não deixou de ser política. Na verdade foi uma decisão política fundamentada na Constituição Federal. 

Na união homoafetiva deu-se o mesmo. Milhares de brasileiros viviam com seus respectivos cônjuges e não tinham direito aos benefícios do casamento civil, enfrentando em diversas ocasiões o constrangimento e até mesmo a injustiça (no caso de morte do parceiro, a impossibilidade de herdar seus bens), perpetuando-se assim uma situação que fere a dignidade da pessoa humana, outro bem jurídico extremamente protegido pelo nosso ordenamento jurídico. Mais uma vez o STF foi contra as pressões religiosas e contra uma ligeira maioria da população que se posicionava contrária à união. O STF agiu pela via do critério anti-majoritário que dá equilíbrio frente ao critério majoritário dos demais poderes da República.

O caso Ficha Limpa foi talvez, o segundo mais polêmico do ponto de vista jurídico (o primeiro credito à taxação dos inativos). Do ponto de vista social a Lei Complementar 135 tinha muita força, pois surgiu através de iniciativa popular, dando-lhe status da mais autêntica expressão do critério majoritário: a população quis, o Congresso aprovou e legislou. Porém, do ponto de vista jurídico a Lei Ficha Limpa era um Frankenstein. Dois erros constitucionais grosseiros depunham contra ela: 1) desrespeito à anterioridade, uma vez que foi promulgada com menos de um ano antes do pleito; 2) desrespeito ao Princípio da Inocência Presumida, por admitir que qualquer decisão colegiada tenha status de decisão final, descartando o instituto da Coisa Julgada. Todos esses dois grandes erros contrariavam dois princípios que estavam dentro do escopo do Princípio da Segurança Jurídica. Durante o julgamento ficou claro que a Lei tinha um “espírito” virtuoso embora contivesse dispositivos que contrariavam a Constituição. Entretanto, os membros da Suprema Corte viram que esse “espírito” virtuoso estava ancorado no Princípio da Moralidade Pública, tido por muitos como um princípio administrativo mas que não deixava de ser constitucional uma vez que o Direito Administrativo surgiu do Direito Constitucional. Ficou claro então o embate entre dois princípios: de um lado a Segurança Jurídica e de outro a Moralidade Pública. Houve então a decisão política de a Moralidade Pública ser maior e mais importante, pois protege a coletividade, do que o da inocência presumida que protege a individualidade. Ocorreu portanto uma decisão política de proteger a maioria em detrimento da minoria que utiliza as funções públicas para fins ilícitos. Foi mais uma decisão política com base jurídica. 

Assim, me perdoem os colegas juristas, não se pode falar em decisões políticas ou jurídicas. Elas são ambas, pois o STF não é um órgão técnico e não vivemos em uma tecnocracia. A democracia pressupõe normativamente o povo representado no poder pelo critério majoritário (Executivo e Legislativo) com o controle anti-majoritário exercido pelo Judiciário com base na Constituição, que significa nesse desenho institucional o próprio contrato social.

* Doutorando em Ciência Política (UFPE) e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos (UFMG)