sábado, 18 de outubro de 2014

O irracional político

Por Vítor Sandes*

Como diria Bertolt Brecht, “o pior analfabeto é o analfabeto político”, aquele que está alheio às questões públicas, está interessado apenas em resolver seus problemas individuais, sem saber que as questões públicas afetam diretamente suas escolhas individuais. Este tipo de indivíduo já foi exaustivamente tratado por outros e, por isso, não o discutirei nessas breves linhas. Aqui gostaria de apresentar um “tipo novo” (não tão novo, na verdade), mas que ficou bem evidenciado até este momento nas arenas de debate: o "irracional político". Para comentar sobre este tipo, vale a pena desconstruir a relação que, comumentemente, se faz entre o eleitor instruído e a boa escolha política. 

Em linhas gerais, acredita-se que os custos para se ter acesso à informação qualificada são altos, pois, na maior parte dos casos, o eleitor não tem o domínio técnico necessário para compreender relatórios e pesquisas científicas sobre os assuntos que mais lhe interessam, tais quais: educação, saúde, economia, segurança etc. Logo, os eleitores costumam realizar escolhas baseadas em atalhos: o partido e sua reputação, a ideologia que esse representa, além das mensagens reproduzidas pela rádio, jornais impressos, TV e internet. À luz dessas mensagens, analisam experiências rotineiras e constroem percepções que serão capazes de os orientar politicamente. Dessa forma, teoricamente, eleitores mais instruídos teriam maior capacidade de avaliar essas mensagens e realizar escolhas mais qualificadas, a partir da leitura dos prognósticos mais complexos. Os eleitores menos instruídos teriam essa capacidade reduzida e estariam mais propensos a realizarem escolhas baseadas em sua situação individual e imediata. Para analisar a atual conjuntura eleitoral brasileira, a aplicação desse princípio, ao pé da letra, leva a imprecisões grotescas. Por isso, vamos à prática.

Nestas eleições, estamos assistindo à disputa presidencial mais polarizada politicamente da história recente do Brasil. E essa sensação é ainda mais clara, pois o brasileiro, cada vez mais, tem utilizado seu tempo diário em frente ao computador (tablet e smartphone), navegando na internet e, consequentemente, nas redes sociais. E as pessoas têm gastado boa parte deste tempo, nas últimas semanas, ou buscando informações sobre a política ou tratando dela. Para fundamentar melhor essa afirmação, trago as informações do Google Trends. Nos dias em que ocorreram os dois debates presidenciais nesta semana, mais de 200 mil pessoas procuraram sobre o tema no Brasil. Para se ter uma base de comparação, isso representou na quinta-feira, 16 de outubro, dez vezes mais buscas do que o segundo tópico mais procurado. 

Então, a partir de uma leitura descuidada da situação descrita, poderíamos analisar o quadro da seguinte forma: o eleitor mais instruído, tendo acesso como nunca à informação disponibilizada com o uso da tecnologia, realizará a melhor escolha. Não é bem assim. Ainda que o acesso à informação seja um elemento fundamental para a realização de escolhas mais precisas, a forma como as informações são organizadas, debatidas e sintetizadas pelo eleitor também pode gerar efeitos negativos, principalmente diante da baixa qualidade da informação acessada. Segundo pesquisa do IBOPE realizada neste ano, entre os usuários de internet (cerca de metade da população brasileira), a rede social Facebook é o endereço mais acessado por mais de 63% da população. Além disso, a mesma pesquisa apontou que a regularidade no acesso à internet é diretamente proporcional ao grau de instrução e à renda, ou seja, indivíduos mais instruídos e com maior renda acessam com mais regularidade a internet e, consequentemente, utilizam mais o Facebook. Ainda na mesma pesquisa, apenas 6% dos entrevistados leem jornais diariamente e mais de 75% dos usuários nunca leem jornais e revistas. Em resumo, os brasileiros (e aqui me refiro à metade da população) se informam muito mal, apesar de terem a possibilidade de se informar melhor do que nunca, e isso tem consequências políticas graves.

Em termos daquilo que não é mensurável, é perceptível que o debate político nas redes sociais caiu em um Fla-Flu do pior tipo, em um acirramento de opiniões que beira à intolerância, e isso é extremamente negativo para a democracia, pois impede que o indivíduo se posicione publicamente por receio de retaliação. Trato aqui de um eleitor que, em sua maioria, possui grau de instrução e de renda acima da média da população, o que o tornaria apto a compreender os pressupostos básicos de uma disputa democrática. Em vez disso, não acessa as informações precisas, é mobilizado apenas pela emoção e, quando acessa, age como um irracional político, incapaz de ponderar seu posicionamento diante de novas informações e de manter suas opiniões sem oprimir o outro. O irracional político é capaz de propagar ódio nas redes sociais, transbordando-o às ruas, rodas de conversas, reuniões familiares, impossibilitando o debate político qualificado.

Como diria Rui Barbosa, “a política é a higiene dos países moralmente sadios”, por isso deve ser construída a partir do debate de ideias qualificadas, da tolerância às posições divergentes, enfim, do respeito ao outro. O benefício da boa escolha política depende da disposição do eleitor em obter informação qualificada e saber administrá-la. No grito, ninguém ganha.


* Professor de Ciência Política (UFPI). Doutorando em Ciência Política (UNICAMP).