quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Crise, partidos e democracia

Por Fernando Bizzarro*

Não sou dado a grandes discussões normativas. Meu negócio são variáveis, hipóteses e níveis de significância. Mas ofereço aos colegas do Dados Políticos uma primeira contribuição normativa e teórica. Prometo que trabalharei para que isso não se repita muito frequentemente.

Discuto aqui o possível papel dos partidos políticos no futuro da democracia nos países em que a crise econômica corrói não apenas parte da liquidez do sistema financeiro (em grande medida já recuperada), mas também o pacto social e político que tem sustentado esses regimes. Demonstrarei como, nas condições atuais, os partidos políticos estão em condição significativamente mais vulnerável para sustentar a democracia que estiveram em outros momentos. Ao mesmo tempo argumentarei que os desdobramentos da crise econômica atual dificilmente serão, do ponto de vista político, semelhantes àqueles da crise de 1930 por uma razão simples: porque em 30, eles não tinham a experiência do fascismo para informar-lhes. Isso me levará a uma conclusão aparentemente otimista, mas insegura, de que ainda que a crise desafie a democracia, o final do regime ainda está longe.

A história ensina que crises econômicas de grande magnitude foram normalmente seguidas por profundos processos de realinhamento político. Para termos alguns exemplos, a crise de 30 não só contribuiu para a falência da República de Weimar – impulsionada pelas contradições institucionais do regime – como produziu, no caso dos EUA, a coalizão do New Deal que, posteriormente, produziria o profundo realinhamento do sul do país que hoje ainda delimita as estratégias de Obama e Romney. Na América Latina, a crise dos anos 80 produziu o que Michal Coppedge chamaria de um processo de “darwinismo político”, que enfraqueceu parte significativa dos partidos governistas e impulsionou o surgimento de novos partidos e movimentos políticos.

(Não é impossível afirmar que em grande medida, a crise dos 80 no Brasil encerrou o modelo político baseado na disputa Ditadura x Oposição (MDB) ao tirar o PMDB do jogo nacional, abrindo espaço para o realinhamento de 1994 que produziria a disputa entre PT e PSDB.)

A crise contemporânea, especialmente na Europa, ainda não produziu tal realinhamento. Provavelmente porque ela ainda está em curso e porque ainda estamos no primeiro ciclo eleitoral pós-crise. Nessa primeira onda, ela produziu um movimento pendular, fazendo com que governos de direita fossem substituídos por governos de esquerda (França) e vice-versa (Inglaterra, Espanha), ainda dentro das opções políticas existentes no contexto pré-crise.

O que ocorre é que provavelmente os custos sociais e políticos dessa crise não serão superados pelos novos governos (primeiro porque não haverá tempo, segundo porque são elevados), e também eles – eleitos para consertar a crise deixada por seus sucessores – serão incapazes de fazê-lo. Assim, o sistema político contemporâneo será colocado em xeque.

Na década de 30, nos países em que a democracia resistiu ao choque econômico, os partidos políticos democráticos eram uma potência institucional cantada em prosa e verso até hoje pelos saudosos dos partidos de massa. Nesses contextos, eles foram capazes de garantir por dentro da democracia a realização das tarefas institucionais (formação de governo, seleção de candidatos) e sociais (agregação e representação de interesses, socialização política) exigidas das instituições políticas mesmo em uma situação de grave crise econômico-social.

A essa altura o leitor já deve ter antecipado a pergunta que farei em seguida – e a resposta a ela. Estão os partidos políticos atuais em condições de fazer o mesmo que seus avós do começo do século XX? É evidente que não. A vastíssima literatura sobre a crise ou não-crise dos partidos pode discordar em muitos pontos, mas concorda que os partidos de hoje não são os partidos de ontem (parafraseando Schmitter). Ainda que eu não me filie aos que enxergam os partidos como instituições fadadas a morrer, reconheço como boa parte da literatura, que parte das funções exercidas pelos partidos de massa não são mais realizadas pelos partidos atuais.

Retomando a divisão de funções realizadas pelos partidos que mencionei acima (institucionais e sociais), é certo que – como afirmam Bartolini e Mair – os partidos políticos estão muito mais preparados e dedicados para suas tarefas institucionais que para sua “função social”. O que decorre dessa afirmação é a dúvida de que, em um contexto de crise econômica e social como a que nos encontramos, os partidos “mais limitados” que temos hoje sejam capazes de garantir a continuidade da democracia. Em um contexto em que projetos políticos, econômicos e sociais são exigidos para lidar com os desafios que a realidade impõe, partidos eleitoral-profissional, cartel, “de quadros modernos”, whatsoever, estão em condições de fazê-lo?

Isso significa que eu preveja um futuro nebuloso, dominado pela extrema-direita e pela extrema esquerda, como ocorreu oitenta anos atrás, em que a democracia foi superada em diversos contextos? Não, primeiro porque seria uma expectativa infundada esperar o mesmo roteiro para duas histórias em contextos tão diferentes quanto as novas democracias da década de 1930 e o mundo globalizado da década 2010.

Ainda que a situação de crise econômica seja semelhante, esses oitenta anos que as separaram produziram sociedades diferentes, marcadas por outros padrões de agregação social, distribuição geográfica, fluxo de informação e formas de mobilização.

Segundo e principalmente porque temos o que eles não tinham: a experiência dos regimes totalitários do século XX, fascista e comunista, e todo o aparato, cultural e institucional que surgiu como desdobramento dessa experiência. Vejam que com isso, não apenas reafirmo minha convicção na percepção individual das vantagens da democracia sobre regimes alternativos, mas sustento que há garantias institucionais que não podem ser esquecidas que podem evitar que isso aconteça (essa ressalva eu devo a Madison, que nos papéis federalistas nos lembra que ainda que a democracia satisfaça os interesses individuais, a história ensinou que é sempre bom ter instituições que a garantam).

Assim, ainda que os partidos não sejam completamente capazes de fazer frente aos desafios que se colocam, creio que eles podem se apoiar em instituições que com eles podem operar para garantir a manutenção do regime democrático. Isso significa que no futuro próximo a democracia não parece, a mim pelo menos, ameaçada. O que evidentemente não significa que os partidos podem dormir o sono dos justos. A recuperação – mesmo que reconfigurada – de sua função social é fundamental ao futuro.

* Mestrando em Ciência Política (UNICAMP) e pesquisador convidado no Kellogg Institute (Universidade de Notre Dame).

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

ACM Neto e o carlismo na Bahia

Por Cláudio André de Souza*

A derrota de Antônio Carlos Magalhães nas urnas em 2006 precipitou em alguns a convicção do fim do carlismo na Bahia. Embora as alianças do governador Jacques Wagner (PT) incorporaram grande parcela da base partidária derrotada, a permanência do grupo carlista como a segunda força política do Estado reforçam a conclusão de que o espólio político de ACM segue protagonizando a política baiana. Atualmente, o líder deste projeto é o Deputado Federal ACM Neto (DEM).

A sua segunda candidatura a Prefeitura de Salvador representa sobretudo um projeto partidário nacional, que busca continuar existindo diante da insignificância cumulativa com a perda de espaço nas últimas eleições federais. A criação do PSD enquanto dissidência do DEM consolidou esta crise vivida desde a vitória de Lula em 2003. 

O propósito da candidatura também é a permanência do DEM como a segunda força política do Estado. Desse modo, a liderança na intenção de voto de ACM Neto em todas as projeções realizadas representa o esforço de um projeto local que também se baseia em uma articulação nacional. Trata-se da principal candidatura do partido e um dos principais palanques para a caminhada da oposição ao PT em 2014. 

As últimas pesquisas eleitorais refletem o crescimento da candidatura do petista Nelson Pelegrino e expressam a tendência de melhor pontuação do ex-prefeito, empresário e radialista Mário Kértsz (PMDB). Porém, esse cenário exclui uma queda na intenção de votos em ACM Neto. Os outros sobem, mas ele não decresce.

A tradução até aqui destes resultados revela a candidatura democrata como “mudança”, ao mesmo tempo em que a campanha promove de toda forma um resgate sutil do avô na campanha em jingles e slogans que afirmam faltar liderança e alguém para defender Salvador. Tal discurso se assemelha a estratégia do avô no inicio da década de 1990, consolidando seu retorno ao governo do Estado após derrota para Waldir Pires (PMDB) em 1986. 

A “continuidade” nesta eleição é o PT, fruto do governo estadual, percebido como responsável em parte pelos problemas políticos e administrativos vividos na cidade. A intenção de voto no candidato petista esbarra na avaliação do governo estadual feita pelo eleitor, bem como o “vazio” administrativo na cidade. O êxito do PT perpassa pela condição de defender o que foi feito em Salvador pelos governos estadual e federal.

Neste raciocínio do eleitor soma-se a percepção em parte do eleitorado que o carlismo sempre inspirou eficiência nas questões administrativas e de infraestrutura, uma vez que a corrupção não é um desvio para poucos. Isto justifica, em parte, a imersão de ACM Neto em um discurso de modernização administrativa da cidade. Sabe ele que não tem como prometer demais, já que não pertencerá ao grupo político governista em nível estadual e federal, ambos sob a liderança do PT. Seu discurso se volta, portanto, às questões internas. 

Surge novamente nestas eleições o discurso técnico de capacidade de gestão a partir das indicações sem carimbo partidário. Mais uma vez se assume o valor pela “tecnocracia” semelhante ao que o carlismo defendera ao longo do tempo, ou seja, a ocupação dos cargos políticos com nomeações de perfil eminentemente técnico, como Mário Kertész, que se tornou aos 26 anos Secretário Estadual de Planejamento.

ACM Neto tem chances de sagrar-se vitorioso nas urnas no primeiro ou no segundo turno, mas, sua candidatura ratifica uma conjuntura de retorno potencial do DEM ao cenário politico baiano, acenando para uma encarnação que se exprime nas elites, mas, sobretudo, na sociedade civil. O carlismo assume na campanha de Salvador um caráter emblemático na medida em que mesmo que ACM Neto não propugne o retorno do carlismo, não se afasta dele em nenhum momento, mesmo se cogitando alianças e compromissos ousados ao conservadorismo do seu partido. 

A sustentação precária de sua candidatura em uma coligação com pouca relevância eleitoral (caso do PSDB, PPS, PTN e PV) na Bahia dará trabalho às análises futuras necessárias em torno do fenômeno carlista e do que resultará esta candidatura nas urnas enquanto poder simbólico, politico, econômico, cultural, etc. As urnas indicarão quais fenômenos serão observados daqui em diante.

* Professor de Ciência Política da Universidade Católica do Salvador e Doutorando em Ciências Sociais (PPGCS/UFBA).