sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Eduardo Cunha, as passagens aéreas e o nanonível da política

Por Leon Victor de Queiroz*

Teoricamente as eleições em democracias representativas possuem duas funções: 1) selecionar atores políticos para se posicionar no Parlamento de acordo com as preferências dos eleitores e 2) permitir que o eleitor responsabilize seu representante ou o puna, em caso de enriquecimento por corrupção ou por escolhas autointeressadas. Ou seja, as eleições forneceriam incentivos para os políticos criarem políticas públicas e constrangimentos para condutas ilegais ou imorais.

A escolha do sistema eleitoral pode influenciar no nível de corrupção política. De acordo com estudos empíricos, sistemas proporcionais estão mais suscetíveis à corrupção em relação a sistemas majoritários porque sistemas proporcionais conduzem a problemas de ação coletiva mais severos para eleitores e partidos de oposição em monitorar incumbentes corruptos. Sistemas proporcionais de lista aberta quando estão dentro de um sistema presidencialista estão mais associados a altos níveis de corrupção. O recém-eleito presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) venceu o pleito com propostas mais voltadas a escolhas autointeressadas de seus eleitores: os demais deputados. A concessão de passagens aéreas para os cônjuges, ainda que não seja ilegal é imoral, ainda mais em um contexto de contenção de gastos públicos e de ajuste fiscal, onde a população mais vulnerável amarga e suporta o custo mais alto do transporte e dos bens de consumos mais essenciais. 

Por que deputados que chocam a opinião pública com propostas em desacordo com a preferência geral do eleitor continuam sendo reeleitos? O problema está na agregação de preferências. Como o Brasil é bastante heterogêneo socialmente, os distritos eleitorais (estados e municípios) de alta magnitude (muitas cadeiras em disputa) permitem uma centena de candidaturas por dezenas de partidos. Como o sistema é proporcional de lista aberta, os partidos saem de cena e a pessoa do candidato se torna mais saliente ao eleitor comum. Ele vota nas propostas pessoais do seu candidato, mesmo que ele pertença a um partido cujos líderes se comportam de forma imoral para esse mesmo eleitor. Ou seja, ele não consegue punir o mau parlamentar porque não vota no distrito onde ele se elege.

Saindo da seara da corrupção e entrando no âmbito das propostas e declarações polêmicas que são rechaçadas pelo público em geral, como as encabeçadas pelo deputado Marco Feliciano (PSC-SP) e pelo deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que chegou a declarar diante das câmeras que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela não merecia, é possível perceber que eles não apenas não foram punidos, como aumentaram suas votações em seus distritos eleitorais. O sistema eleitoral brasileiro permite que a política seja feita não em um nível micro, mas em um “nanonível”. Ou seja, as preferências de 150 mil eleitores são vocalizadas no Parlamento ferindo direitos de milhões de eleitores. Não se trata de liberdade de expressão, mas de liberdade de agregação. Uma vez que os partidos não são responsabilizados, eles continuam a ampliar sua influência, aumentando a disparidade entre a atuação político-partidária e a preferência agregada do eleitorado.

* Doutor em Ciência Política (UFPE).