segunda-feira, 11 de julho de 2016

O 9 de julho paulista e a federação

Por Raphael Machado*

Numa república simples, todo o poder entregue pelo povo é submetido à administração de um único governo, e as usurpações são prevenidas por uma divisão do governo em departamentos distintos e separados. […] o poder entregue pelo povo é primeiramente repartido por dois governos distintos, e, depois, a parte atribuída a cada um deles é por sua vez repartida entre departamentos distintos e separados. Surge deste modo uma dupla segurança para os direitos do povo. Os diferentes governos controlar-se-ão mutuamente ao mesmo tempo que cada um deles será controlado por si próprio.

James Madison – O Federalista No. 51, 6 de Fevereiro, 1788 

O processo de mobilização política em curso no Brasil a partir de 2013, trouxe à tona discursos e ideais já há muito solapados pelas lutas sociais. O ideal separatista paulista é um desses temas recuperados em momentos de agitação social e política. A imagem do estado de São Paulo como a locomotiva do país ainda paira como uma espécie de material ideológico bandeirante. A convocatória à causa paulista não é mais um apelo à mocidade de Piratininga, tal como estampado nos cartazes e jornais de 1932, mas manifestos e charges espalhadas pelas redes sociais exigindo o abandono dos 26 vagões federados vazios. 

Por sinal, o movimento iniciado em 9 de julho de 1932 se estabeleceu mais como uma revolta no intuito de restaurar o poder e prestígio de São Paulo, desgastado com o fim da República Velha (1889-1930), do que possuidos de um viés separatista. A perda do controle da política do café pelas oligarquias paulistas foi um duro golpe em seu poder econômico, tornando-se barganha na reestruturação das relações federativas de São Paulo com o governo central. A Revolução de 1930 representou um salto qualitativo na organização do Estado brasileiro, as elites regionais estabelecidas não se conformaram com a centralização do poder político, lançando a população paulista às armas. 

O movimento não durou muito, logo no dia 29 de setembro de 1932 foi assinado o Protocolo de Cruzeiro, em que as forças insurrecionárias se rendiam frente à Federação. Em 2 de outubro, o General Góis Monteiro, por meio de um comunicado difundido pelas ondas de rádio, dava como terminada a contenda com São Paulo. Na ocasião, o General afirmou: “Pode São Paulo estar certo de que o governo não o tratará em desigualdade e inferioridade em relação aos outros estados”. Os privilégios paulistas estavam garantidos, assim como um amplo processo de anistia aos revoltosos.

Os argumentos contemporâneos para a emancipação paulista são tão antigos quanto o ideário “revolucionário” de 1932. A suposta crença na proeminência do estado frente à Federação não passa de um eco do orgulho paulista. 

O estado é, atualmente, o maior devedor da União. Nas recentes rodadas de renegociação das dívidas estaduais São Paulo obteve um desconto de R$ 400 milhões, e mais prazo para o pagamento das parcelas. Mesmo com essas vantagens o Governador Geraldo Alckimin trouxe o discurso dos derrotados de 1932 de volta à cena: “não houve isonomia de tratamento entre os estados” . Isso porque o estado não conseguiu os mesmos descontos e prazos de outros estados que deviam menos. 

Tal como afirma Maria do Carmo Campello de Souza, “os interesses regionais, os atores políticos e as políticas públicas fundados regionalmente são contendores críticos na luta por alterações no sistema político”. A rejeição do regime de urgência para a votação da renegociação das dívidas estaduais na Câmara dos Deputados  é um ponto de atenção para o governo Temer e parece iniciar uma rodada de mudanças com a saída de Eduardo Cunha da Presidência da Casa. 

O velho lema em latim, estampado na bandeira da cidade de São Paulo, Non Ducor Duco (não sou conduzido, conduzo), soa como anacrônico frente ao cenário político-econômico atual. Os ideais separatistas de São Paulo não possuem substrato real, pois o estado não pode realizá-lo. A força centrípeta do Governo Federal atua de maneira inconteste sobre este ente federado. 

*  Doutorando em Ciência Política (UNICAMP).

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Imagem: Reprodução/http://www.saopauloindependente.org/