quarta-feira, 14 de março de 2012

As desigualdades de nossa democracia

Por Humberto Dantas*

Existem cientistas políticos que adoram estudar sistemas eleitorais. Não tenho grande admiração por fazer isso de forma comparada, ou seja, emparelhando países. Prefiro me ater a aspectos centrais da ética, da moral e do funcionamento efetivo de um sistema e compreender seu funcionamento. Ou seja, entender o que se deseja com determinada medida e o que de fato ocorre. Gosto de olhar para o Brasil e farei isso novamente nesse nosso blog.

Parece possível aceitar com bastante naturalidade que um dos princípios democráticos mais essenciais em nosso sistema representativo está relacionado à igualdade de condições entre cidadãos para a disputa de cargos públicos: algo utópico que precisamos nos esforçar para, pelo menos, nos aproximar. 

Se teoricamente a ideia parece essencial, sabemos o quanto o viés econômico pesa de forma significativa nessa realidade, por exemplo. Assim, quem tem mais dinheiro eleva suas chances de vitória. Não à toa há quem defenda a adoção do financiamento público de campanha, que em minha opinião não seria capaz de combater a prática do caixa 2, legitimada quase universalmente em nossa política, e consequentemente arrefecer o efeito do dinheiro nas disputas. Além disso, a divisão desse bolo público seria inicialmente feita com base na representação dos partidos em dado momento da história, e esse momento seria construído sobre a realidade atual.

Outra tentativa de igualdade está associada à questão da proibição e criminalização do uso da máquina administrativa em benefício de campanhas políticas. Quem está no poder tende a reverter recursos humanos – sobretudo dos funcionários lotados em cargos de livre provimento – e econômicos para fortalecer a candidatura de seu partido ou grupo. A sociedade, por meio da lei 9.840/99, a primeira com semblante de iniciativa popular aprovada no país, tentou barrar a prática. O grande desafio, no entanto, é arrefecer o caráter cultural da medida. Avanços foram contabilizados nos últimos anos, mas sabemos que muito ainda temos que caminhar.

A última prática desigual que descrevo aqui eu conheci faz pouco tempo. Confesso que nesse caso o leitor pode me considerar ingênuo, e até mesmo ignorante. Mas tenho certeza que diversas pessoas não conhecem esta característica de nosso sistema eleitoral e ficarão igualmente surpresas. Vamos lá: servidores públicos efetivos podem, como qualquer cidadão comum, ser filiado a um partido político e disputar eleições. Têm, no entanto, uma vantagem comparativa em relação aos demais que carrega o amargo sabor do privilégio. Os servidores públicos de carreira são protegidos por uma lei que lhes garante afastamento REMUNERADO de seus cargos ao longo dos três meses de campanha. Enquanto o cidadão comum está longe de ter esse empurrão, entrando em desvantagem nas disputas, o servidor pula na frente e tem garantia salarial – algo bastante confortável para os padrões de dedicação às campanhas exigidos por nossa democracia. Na prática, outra aberração: se por um lado existem aqueles que se dedicam à disputa, não são poucos os servidores que se lançam candidatos e desaparecem de suas cidades por três meses, embarcados em viagens de lazer e projetos de interesse pessoal. Há também que se transforme em cabo eleitoral de luxo de candidatos a outros cargos – por vezes em outras cidades ou estados. Nesses casos, nas urnas, resultados pífios. E as questões pessoais, mais uma vez, se posicionam acima dos interesses públicos – a real função de sua ocupação e o verdadeiro desafio do cargo que disputa. 

Diante desse cenário, fica a pergunta: que representante será este? Sob quais princípios vai agir em caso de vitória? E em caso de derrota: houve efetivo empenho ou mais uma tentativa de levar vantagem? Fica aqui um ótimo objeto de pesquisa para cientistas sociais inquietos. Aos cidadãos de maneira geral, fica trecho de uma canção do extinto grupo Legião Urbana: “esse é o nosso mundo, o que é demais nunca é o bastante”.

*Doutor em Ciência Política (USP)

sexta-feira, 2 de março de 2012

Mano Menezes e o impacto político da guerra civil na Bósnia

Por Sérgio Praça*

Terça-feira, 28 de fevereiro, em um universo paralelo, às 15h30 (horário de Brasília), no vestiário da AGF Arena em Saint Gallen (Suíça), o técnico da seleção brasileira fez a seguinte preleção para os jogadores: 

“Pessoal, parem de tomar esse guaraná Antarctica e me escutem um pouco. Andei pesquisando nosso adversário de daqui a pouco no Wikipedia e vou ser um pouco cruel, mas as notícias são animadoras. A Bósnia e Herzegovina – vou falar só Bósnia para simplificar – sofreu muito com uma guerra civil em 1992. Cerca de 200 mil pessoas morreram e isso afetou, indiretamente, o número de bons jogadores que o país tem à disposição (Peguei esse raciocínio do livro “Soccernomics”, de Simon Kuper e Stefan Szymanski). Além disso, Neymar e Willian José, provoquem bastante os zagueiros e os laterais. Um estudo de Sebastián Saiegh, Edward Miguel e Shanker Satyanath mostra que jogadores que vieram de países que sofreram recentemente com guerras civis tendem a ser violentos, a perder a cabeça com mais facilidade com as firulas que vocês fazem tão bem. Neymar, isso vale mais para você, o Willian é mais maduro e objetivo. Bom jogo, se a gente não ganhar de goleada eu me demito e peço para o Ricardo Teixeira e o A. Sanchez saírem também!”

Na vida real, nenhum jogador bósnio tomou cartão amarelo ou vermelho e Willian José, atacante do São Paulo, não foi convocado.

* Doutor em Ciência Política (USP)