quarta-feira, 29 de abril de 2015

O mito dos muitos ministérios

Por Leon Victor de Queiroz* e Vítor Sandes** 

Um argumento recorrente no Brasil para explicar os males da administração pública federal é o de que o governo possui muitos ministérios: são 38 ao todo. Para isso, é comum a comparação do período atual com os tempos ditatoriais e até mesmo o Brasil com países europeus como Alemanha e Estados Unidos. Será que o Brasil tem muitos Ministérios? Talvez sim, mas não é à toa como crê o senso comum. 

De forma breve, é possível elencar três razões para a existência de muitos ministérios: 1) o grande número de partidos na coalizão, devido à alta fragmentação do sistema partidário e; 2) a heterogeneidade ideológica dos partidos da base do governo e; 3) a necessidade de apoio legislativo para implementar uma agenda de governo. Assim, o presidente cede ministérios aos partidos visando obter seu apoio no Legislativo. O obstáculo está em um ambiente com muitos partidos, num quadro de hiperfragmentação. Com isso, o poder se encontra disperso, aumentando os custos de negociação e de formação de coalizões majoritárias estáveis. O número de ministérios tem relação, portanto, com o número de partidos que o presidente precisa para compor a coalizão de governo. E isso não é exclusividade do Brasil. Alemanha, Inglaterra, Israel e Bélgica são exemplos de países governados por coalizões partidárias devido ao fato de que nenhum partido tem maioria absoluta no Legislativo. 

Voltando um pouco na História, durante o Regime Militar havia apenas um único partido dando apoio ao governo, a ARENA (Aliança Renovadora Nacional). Logo, os 16 ministérios da época ficavam com apenas um partido. Já no governo Sarney há dois períodos distintos: entre março de 1985 e fevereiro de 1986 ele contava com quatro partidos no congresso (PMDB-PFL-PTB-PDS). De março de 1986 a março de 1990, apenas o PMDB e o PFL davam sustentação ao governo. O governo FHC iniciou com quatro partidos na base (PSDB-PMDB-PFL-PTB). Chegou a seis partidos entre abril de 1996 e março de 1999 e depois terminou com três (PSDB-PMDB-PPB). O Governo Lula iniciou com oito partidos, chegou a nove e terminou com sete. Hoje o governo Dilma tem nove, dos 28 partidos na Câmara, na base do governo (considera-se na base do governo aqueles partidos que têm pelo menos um ministro no gabinete). Também é necessário registrar que há 24 Ministérios, nove Secretarias e cinco órgãos com status de ministério. Essa distinção, por si só, já é problemática do ponto de vista comparativo. O Banco Central e a Advocacia Geral da União, órgãos presentes em diversos países, são contabilizados como ministérios enquanto que em outros países não. Logo, para efeitos comparativos, excluiremos os cinco órgãos com status de ministério da lista. Restam, portanto, 33 ministérios para abarcar nove partidos, o que dá uma média de 3,6 ministérios por partido. 

Também não é possível comparar o Brasil com outros países sem fazer considerações acerca da particularidade de cada sistema político. A Alemanha, por exemplo, possui sistema partidário pouco fragmentado e os EUA possuem um sistema bipartidário. Na Alemanha são 4,57 Ministérios (total de 14) para cada partido membro da coalizão alemã, que é composta por três partidos. No caso dos Estados Unidos, apenas um único partido está no governo, os Democratas. O que faz a média subir para 15 Departamentos (como os americanos chamam seus ministérios) por partido. Ou seja, nessa comparação os EUA são um outlier (ou caso discrepante). 

Compara-se, então, o caso brasileiro com países sul-americanos de semelhante realidade política, social e econômica. O governo chileno possui 22 Ministérios para sete partidos da coalizão: uma média de 3,14 ministérios por partido. Um pouco menos do que o caso brasileiro. Na Argentina são 14 Ministérios para 13 partidos na coalizão. É praticamente um partido por ministério. Outro caso discrepante. 

No caso brasileiro, além do PMDB, é preciso dar conta dos demais partidos através da distribuição de outros ministérios. Mesmo possuindo muitos, a presidente não consegue distribuir cargos, de forma satisfatória, para os partidos da coalizão. A distribuição proporcional dos cargos aos demais aliados depende da diminuição de espaços para outros parceiros, inclusive do próprio PT, partido da presidente. Tirar cargos do PT, no entanto, não parece ser uma opção factível para a chefe do Executivo. O cálculo de gerenciamento da coalizão é complexo e, na conjuntura política atual, querer reduzir o número de ministérios por força normativa está mais para birra do que para uma proposta serenamente construída para aprimorar, de fato, a administração pública federal.

* Doutor em Ciência Política (UFPE). Pós-doutorando em Ciência Política (UFPE).
** Doutor em Ciência Política (UNICAMP). Professor Adjunto (UFPI).