quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Com quantos partidos se faz uma eleição?

Por Bruno Souza da Silva* e Vitor Vasquez**

(Este texto trata-se da versão expandida do artigo originalmente publicado no blog Legis-Ativo do Jornal Estadão com o mesmo título no dia 06 de setembro de 2016)

Não é incomum ouvirmos falar que os partidos são todos “farinha do mesmo saco”. Eles sempre aparecem em pesquisas de opinião pública na parte debaixo da lista de instituições dignas de confiança pelos cidadãos. Ou seja, são vistos com maus olhos. Continuamente adentramos em debates sobre a reforma política e, por vezes, as críticas e soluções apontadas estão relacionadas aos partidos. No entanto, a despeito de como olhamos para eles, uma questão é indubitável: são as únicas organizações capazes de transformar votos em cadeiras. Em outros termos, partidos continuam sendo os detentores do monopólio da representação política dentro da estrutura de governo e no Legislativo. Mas por que nos lembrarmos disto é importante? 

Faltando menos de um mês para acontecer o primeiro turno das eleições municipais de 2016, o qual ocorrerá no dia 2 de outubro, nos parecem pertinentes algumas reflexões sobre as disputas eleitorais. Principalmente porque o município, por ser a unidade eleitoral mais elementar do país, apresenta-se como local propício à formação de quadros políticos, ainda mais quando consideramos as eleições para as câmaras municipais, porta de entrada para vários políticos profissionais. Além de se tratar de um pleito no qual escolheremos os membros que compõe a maior classe política brasileira – são mais de 57 mil vereadores que serão eleitos neste ano – a disputa apresenta custos mais baixos para os partidos oferecerem seus candidatos aos eleitores. 

É também caracterizada por trazer às campanhas pautas e temas políticos vivenciados no dia a dia pelos cidadãos, uma vez que a abrangência da competição é local. Sem contar que a proximidade entre eleitores e candidatos é muito mais intensa, o que nos permite conhecermos as figuras políticas tête-à-tête, tornando as eleições mais íntimas do eleitorado. Tais especificidades locais apresentam desafios ainda maiores para os partidos darem conta de lançarem candidatos neste amplo e complexo território no qual ocorrem as eleições.  

Levando isto em conta, partimos dos seguintes questionamentos: em que medida os partidos apresentam seus candidatos em um universo composto por mais de 5.500 municípios? Eles possuem a mesma capilaridade? E o que a oferta de candidaturas para o Legislativo municipal pode nos indicar sobre o nosso sistema político?

O primeiro dado a respeito das disputas eleitorais que nos chama atenção é o da expansão dos partidos no Brasil ao longo das eleições municipais. Segundo informações do TSE, de 1996 a 2016 o número de partidos que apresenta candidatos a vereador por município cresceu constantemente no país. Por exemplo, em 1996, os 25% dos municípios brasileiros que tinham menos partidos nas disputas para vereador contavam com apenas 5 legendas ou menos. Vinte anos depois destas eleições, agora em 2016, os 25% dos municípios brasileiros que têm menos partidos nestas disputas apresentam até 13 partidos. A média de partidos por disputa saiu de 7 em 1996 para quase 14 em 2016. As informações estão detalhadas na tabela a seguir.

Em resumo, ao longo das eleições municipais, cada vez mais partidos passaram a oferecer candidatos para o cargo de vereador. Desta forma, os 9 mais tradicionais partidos brasileiros, a saber, PMDB, DEM (antigo PFL), PSDB, PP (antigo PPB), PDT, PTB, PT, PR (antigo PL) e PSB, passaram, ao longo do tempo, a serem sistematicamente acompanhados por outros partidos nestas disputas. Inclusive siglas mais jovens, como o SD, PROS e PEN, destacam-se pela quantidade de municípios nos quais oferecem candidatos e, na mesma linha, segue o PSD, que compete pela segunda vez em eleições municipais. O infográfico a seguir traz a evolução da participação partidária em termos de porcentagem de municípios nos quais cada partido ofertou ao menos um candidato a vereador nas eleições de 1996 a 2012. Apresentamos também os dados de 2016 para efeitos comparativos.


É possível observarmos que, com o passar dos anos, os partidos ampliaram (e muito) a sua participação nas eleições municipais. A inserção partidária nos municípios abrange inclusive as siglas menores e mais novas, tornando a disputa eleitoral aparentemente mais intensa. No entanto, a grande questão é a seguinte: em que medida isso é bom ou ruim? Depende do ponto de vista. Por um lado, no que toca à competição eleitoral, é positivo termos mais contendores disputando eleições. Em princípio é equivalente a dizermos que há mais possibilidades de escolha para o eleitor dentro do jogo. Por outro lado, sabemos que a conseqüência eleitoral do aumento na quantidade de partidos representados dentro do sistema político é o aumento da fragmentação partidária, em relação à qual muito da atual crise política que enfrentamos tem sido tributada.    

Em larga medida a intensificação da capilaridade dos partidos parece coerente com o aumento frequente da fragmentação partidária que temos acompanhado no sistema político brasileiro como um todo. A questão que nos incomoda diz respeito ao impacto que este aumento de participação dos partidos, para além dos mais tradicionais nos Poderes Legislativos brasileiro, pode trazer para a democracia brasileira. Se, por um lado, há os que argumentam que isto causa imprevisibilidade ao sistema e, por isso, o enfraquece em termos de estabilidade; por outro isto pode representar um aumento de representatividade na política brasileira, que se expressa até mesmo no seu ambiente mais elementar de disputa, ou seja, nas câmaras municipais. 

Fato é que o número de partidos presentes nos municípios tem aumentado eleição a eleição e isso certamente afeta a competição partidária no Brasil. Talvez a resposta a respeito do que a maior capilaridade dos partidos representa para o sistema político esteja a um meio termo entre estabilidade e mudança. Pode admitir a ampla representatividade, característica de um sistema pluripartidário, mas deve se preocupar, pelo menos minimamente, com a consolidação dos principais competidores. 

Outra informação importante do sistema político brasileiro que as eleições para vereador sugerem diz respeito à flutuação de força dos partidos. Exemplos disto podem ser vistos por meio do dado de apresentação de candidaturas, como os do DEM e do PT. O primeiro, até a disputa municipal de 2004, oferecia candidatos para vereador em mais de 80% das cidades brasileiras. Porém, a partir de 2008, o partido teve seguidos decréscimos neste quesito, passando a oferecer candidatos em 65% dos municípios em 2016. Este recuo começou no mesmo período em que o DEM, então PFL, rompeu com o governo FHC (PSDB) para tentar candidatura própria à presidente, já no final do mandato. Neste processo, o partido perdeu prestígio e nem conseguiu apresentar sua candidatura. Além disso, em 2007 morreu Antônio Carlos Magalhães, principal liderança do PFL. No mesmo ano o partido decidiu trocar de nome, passando a se chamar Democratas (DEM).

Já o PT teve um período de ascensão que se destaca por ser concomitante à sua primeira chegada à presidência, em 2002. O partido saltou de uma oferta de candidatos em 61% dos municípios em 2000, para 91% em 2004. Em 2008 e 2012 manteve-se na casa de 90%. Porém, com o desgaste do partido no segundo mandato Dilma, que culminou no impeachment da presidenta, o partido passou a oferecer candidato para vereador em somente 75% dos municípios em 2016.

Tais informações nos levam a um questionamento a respeito do que, segundo o senso comum, ocorreria na política local: o seu funcionamento à parte do sistema político nacional. A julgar tanto do ponto de vista da fragmentação partidária, quanto do ponto de vista da força dos partidos, os municípios parecem ser coerentes com o que ocorre no sistema político como um todo. Além do mais, o âmbito local é importante no processo de estruturação das bases políticas nacionais, o que torna as eleições municipais alvo de grande interesse das siglas, a julgar pela grande expansão na oferta de candidatos e presença dos partidos nos municípios. Mas talvez esta reflexão seja irrelevante, afinal de contas partidos não importam, certo?

* Doutorando em Ciência Política (UNICAMP)
** Doutorando em Ciência Política (UNICAMP)

Imagem: Reprodução http://www.updateordie.com/