sexta-feira, 27 de abril de 2012

O STF e suas decisões: entre a técnica e a política

Por Leon Victor de Queiroz*

Não podia ser diferente. Sempre que a suprema corte do pais, o Supremo Tribunal Federal , está diante de casos polêmicos cujos efeitos de suas decisões terão impacto na sociedade e não apenas entre os jurisdicionados, a celeuma está montada. 

Os juristas acusam o Tribunal de praticar ativismo e de usurpar a competência do Legislativo. Parte dos parlamentares engrossam o coro e reclamam da suprema corte. Mas há outro grupo que enxerga no STF o caminho viável para tomar as decisões que o Congresso, por omissão e/ou incerteza, não toma. 

O senso comum, reverberado pela Imprensa acusa a suprema corte de tomar decisões políticas. No mesmo sentido agem aqueles que se sentem prejudicados por elas. Mas o que é uma decisão política? Existe uma decisão puramente técnica? 

Madison, no artigo federalista 76, chamou a atenção para o fato de que o Judiciário seria, dos três poderes, o mais fraco. Porém, no pós-segunda guerra houve uma grande expansão do poder judicial na maior parte das democracias. O Judiciário desenhado por Madison é um pouco diferente daquele idealizado por Montesquieu. Porém, eles concordam em um sentido: O Judiciário é um dos três poderes políticos da República. 

Como nos Estados Unidos os juízes de primeiro grau são eleitos pela comunidade tendo poderes, inclusive, para inovar na ordem jurídica, ou seja, criar direitos devido ao sistema da common law, no Brasil os juízes são concursados (exceto os 20% dos tribunais e um terço do STJ, que são escolhidos entre advogados e membros do Ministério Público) e não podem inovar na ordem jurídica, tendo apenas que decidir conforme a lei, pois o nosso sistema é o da civil law (com traços do direito romano, francês, alemão, italiano e português). 

A nossa Constituição é sempre muito elogiada do ponto de vista social, mas a técnica jurídica não é um dos seus pontos mais fortes. Foram copiados desenhos institucionais de países cujo sistema jurídico diverge e muito do nosso. Assim se deu com o Supremo Tribunal Federal, cuja composição e processo de escolha foram copiados da Constituição americana e sua atuação constitucional importada do modelo austríaco criado por Hans Kelsen. 

Logo, o Supremo Tribunal Federal é um dos três poderes políticos (modelo madisoniano), é o guardião direto da constituição (modelo kelseniano) e é o órgão de cúpula de todo o Poder Judiciário (modelo germânico). Diante de toda essa mistura institucional, o Judiciário brasileiro, com exceção de sua suprema corte é formado por concursados, o que dá um caráter técnico às suas decisões. 

Então como poderiam ser classificadas as decisões do Supremo Tribunal Federal? Afinal, são técnicas, políticas ou ambas? O ideal para responder a essas questões é a análise de caso. Analisarei três casos-decisões: Células-tronco, união homoafetiva e Lei Ficha Limpa. 

Nas células-tronco toda a comunidade científica esperava que a Suprema Corte ignorasse a pressão religiosa e decidisse a favor do tratamento baseado nessa nova técnica que poderia salvar milhares de vida. A vida é o maior bem jurídico tutelado pelo nosso Ordenamento Jurídico. Logo, pode-se dizer que a decisão foi técnica. Mas não deixou de ser política. Na verdade foi uma decisão política fundamentada na Constituição Federal. 

Na união homoafetiva deu-se o mesmo. Milhares de brasileiros viviam com seus respectivos cônjuges e não tinham direito aos benefícios do casamento civil, enfrentando em diversas ocasiões o constrangimento e até mesmo a injustiça (no caso de morte do parceiro, a impossibilidade de herdar seus bens), perpetuando-se assim uma situação que fere a dignidade da pessoa humana, outro bem jurídico extremamente protegido pelo nosso ordenamento jurídico. Mais uma vez o STF foi contra as pressões religiosas e contra uma ligeira maioria da população que se posicionava contrária à união. O STF agiu pela via do critério anti-majoritário que dá equilíbrio frente ao critério majoritário dos demais poderes da República.

O caso Ficha Limpa foi talvez, o segundo mais polêmico do ponto de vista jurídico (o primeiro credito à taxação dos inativos). Do ponto de vista social a Lei Complementar 135 tinha muita força, pois surgiu através de iniciativa popular, dando-lhe status da mais autêntica expressão do critério majoritário: a população quis, o Congresso aprovou e legislou. Porém, do ponto de vista jurídico a Lei Ficha Limpa era um Frankenstein. Dois erros constitucionais grosseiros depunham contra ela: 1) desrespeito à anterioridade, uma vez que foi promulgada com menos de um ano antes do pleito; 2) desrespeito ao Princípio da Inocência Presumida, por admitir que qualquer decisão colegiada tenha status de decisão final, descartando o instituto da Coisa Julgada. Todos esses dois grandes erros contrariavam dois princípios que estavam dentro do escopo do Princípio da Segurança Jurídica. Durante o julgamento ficou claro que a Lei tinha um “espírito” virtuoso embora contivesse dispositivos que contrariavam a Constituição. Entretanto, os membros da Suprema Corte viram que esse “espírito” virtuoso estava ancorado no Princípio da Moralidade Pública, tido por muitos como um princípio administrativo mas que não deixava de ser constitucional uma vez que o Direito Administrativo surgiu do Direito Constitucional. Ficou claro então o embate entre dois princípios: de um lado a Segurança Jurídica e de outro a Moralidade Pública. Houve então a decisão política de a Moralidade Pública ser maior e mais importante, pois protege a coletividade, do que o da inocência presumida que protege a individualidade. Ocorreu portanto uma decisão política de proteger a maioria em detrimento da minoria que utiliza as funções públicas para fins ilícitos. Foi mais uma decisão política com base jurídica. 

Assim, me perdoem os colegas juristas, não se pode falar em decisões políticas ou jurídicas. Elas são ambas, pois o STF não é um órgão técnico e não vivemos em uma tecnocracia. A democracia pressupõe normativamente o povo representado no poder pelo critério majoritário (Executivo e Legislativo) com o controle anti-majoritário exercido pelo Judiciário com base na Constituição, que significa nesse desenho institucional o próprio contrato social.

* Doutorando em Ciência Política (UFPE) e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos (UFMG)

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