segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Habemus planum: considerações políticas, tecnológicas e econômicas sobre a escolha do Gripen

Por Antônio Henrique Lucena Silva*

Desde o início da competição do Programa FX-2, o caça Gripen foi preferido pela corrente majoritária da Força Aérea Brasileira (FAB). Aeronave de excelente performance e de baixo custo de manutenção ele se adequa aos parcos recursos que as forças armadas possuem para se manter. Em conversas com militares das três armas sobre o processo de escolha do caça, no Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, e nas Escolas (EGN – Escola de Guerra Naval, UNIFA – Universidade da Força Aérea e ECEME – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército), identifiquei três correntes de defensores de cada avião concorrente. Uma delas defendia a manutenção da continuidade doutrinária francesa: a Força Aérea utilizou os Mirage III, Mirage 2000 e o Rafale seria uma opção natural. Operamos o porta-aviões São Paulo (ex-Foch, da Marinha Francesa) que possui capacidade de emprego dos Rafale. Nesse sentido, a opção pelo caça francês era óbvia. Outra corrente, essa que pode ser classificada de “pragmática”, defendia os F-18 Super Hornet. Para esses militares, não existe transferência efetiva de tecnologia e possuir uma aeronave americana, com bom histórico de uso em guerras, seria benéfico para a Força Aérea. A terceira corrente pode ser classificada como “desenvolvimentista”. Os suecos ofereciam uma parceria no Gripen NG. Dentro dos marcos da Estratégia Nacional de Defesa (END, publicada em 2008) e do Livro Branco de Defesa Nacional (2012), o avião sueco é o que se adequa às nossas necessidades de elevar a indústria de defesa do Brasil a um novo patamar. Toda transferência internacional de armas é uma associação de longo prazo entre país comprador e fornecedor do material bélico. Assim, não apenas questões de cunho operacional/tático são levadas em consideração.

Politicamente, a compra do caça F-18 da americana Boeing, preferido por alguns militares por ser sucesso em combate em várias guerras e farta experiência de desenvolvimento, ficou inviável após os escândalos de espionagem da NSA. O fato da própria Presidente Dilma Rousseff e companhias brasileiras como a Petrobras terem sido alvo da espionagem prejudicaram a escolha do avião, cuja vitória estava prevista para ser anunciada na visita de Estado da Presidente a Washington, posteriormente cancelada devido aos escândalos. Além do mais, deve ter em mente que a Estratégia Nacional de Defesa considera que toda a "compra" de material bélico será uma "parceria". Nesse sentido, a Boeing não seria a melhor candidata pelo histórico de cerceamento tecnológico que o governo americano faz ao nosso país. O próprio programa CBERS (satélites de análise de recursos terrestres), em parceria com a China, sofreu vários atrasos no seu desenvolvimento porque o ITAR (International Traffic in Arms Regulations), órgão americano, vetou a venda que componentes para os satélites, obrigando Brasil e China a desenvolverem esses componentes. A FAB ficou irritada também porque houve outro episódio de cerceamento no caso do míssil MAR-1 (anti-radiação, arma importante para destruir radares) fazendo com que os pesquisadores da arma desenvolvessem um novo sistema para o seeker. No passado, os americanos vetaram a venda de equipamento brasileiro devido a interesses comerciais e políticos. Dois eventos são dignos de nota: o primeiro ocorreu com o carro de combate Osório, fabricado pela Engesa, era ofertado para a Arábia Saudita. Tendo se saído melhor em testes no deserto para a monarquia daquele país, o Osório superou o Abrams (EUA) e seus concorrentes AMX (França) e Challenger (Reino Unido). O ataque político estadunidense inviabilizou a compra e, afundada em dívidas, a Engesa faliu. O segundo, mais recente, foi o veto à venda de Super Tucanos à Venezuela em 2005. A escolha do avião de contra-insurgência da Embraer pelos Estados Unidos em 2013, para equipar a Força Aérea Afegã, representou um novo marco que sinalizaria em novas relações militares internacionais com os americanos, mas que foi anulada em seguida pela espionagem acima mencionada.

O Rafale é o avião mais "independente" em termos de tecnologia, porque é quase todo fabricado na França. Por outro lado, é um avião muito caro de ser mantido, com custos proibitivos de aquisição. A aeronave, que teve muitos problemas no seu desenvolvimento, foi diminuindo as dificuldades táticas e operacionais na guerra do Afeganistão e, mais recentemente, na Líbia. A cooperação com a França é de longa data, que inclui os Mirages adquiridos na década de 1970 (os países latino-americanos sofreram embargos de armas pelo Presidente Jimmy Carter, por isso os equipamentos franceses foram uma opção), os submarinos e a compra de helicópteros EC-725 de transporte para as três armas. A escolha do Rafale poderia aprofundar a dependência francesa o que, em termos estratégicos, pode não ser bom. As lições da Guerra das Malvinas (1982), quando a França interrompeu a entrega de aeronaves Super Étendard e mísseis Exocet para a Argentina, por ordem de Margaret Thatcher, ainda continuam vivas. O Brasil também se irritou com a França porque ela obstaculizou a eleição de Roberto Azevedo para a OMC demonstrando limites da parceria estratégica entre os países.

A Suécia tem se revelado um novo aliado estratégico de peso. Criou o centro de pesquisa sueco-brasileiro para desenvolvimento de tecnologias, além de oferecer o Gripen como um "parceiro" de desenvolvimento. Proposta interessante para a nossa indústria de defesa e no ganho de autonomia de aeronaves de caça. Convém ressaltar que o Gripen é bem avaliado pela República Tcheca, Tailândia, Suécia, Empire Test Pilots (Reino Unido) e África do Sul. Esta última têm ressaltado as vantagens de cooperação com os suecos e que os acordos de transferência de know-how tem sido bem sucedidos. O míssil A-Darter (ar-ar de 5ª geração) que entrará em serviço, fruto da cooperação tecnológica Brasil-África do Sul, será equipado nos Gripens sul-africanos, o que facilita a integração com o Gripen brasileiro. Embraer e SAAB, que vão cooperar na fabricação do caça, têm congruência na política de integração de sistemas nos seus produtos. O desenvolvimento do avião de ataque AMX por Brasil e Itália, na década de 1980 e em operação na FAB, é um exemplo de parcerias internacionais que trouxeram frutos para a indústria do País. No mais, a escolha do avião depois de tanto tempo é importante para a retomada da operacionalidade da FAB. Atenta a esse processo, a Suécia deverá fazer um leasing de caças da sua Real Força Aérea para o Brasil até que os nossos cheguem, a partir de 2018, para garantir a defesa aérea do Brasil durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Por ser uma aeronave dentro dos padrões da OTAN, o Gripen facilitará ao Brasil a participação em operações aéreas conjuntas. Um dos pontos contrários ao avião é que ele utiliza muitos componentes estrangeiros, como o motor, que é da General Eletric (empresa americana). Por outro lado, é importante frisar que a cadeia de fornecimento da indústria global de defesa é horizontalizada, ou seja, é praticamente impossível um aeronave que não tenha, pelo menos, alguns componentes estrangeiros.

Com a decisão da compra dos caças, Dilma Rousseff agrada aos militares e diminui o mal estar de alguns atritos ocorridos com os militares. Episódios como que causaram irritação na caserna como a Comissão da Verdade, classificada como tendenciosa, porque não investigaria os crimes da “esquerda” e o caso Dalton. Com a escolha do Gripen NG para a FAB, Rousseff e Amorim sinalizam que possíveis divergências se encontram no passado e, para a Presidente, em particular, que a Defesa Nacional será um tema de Estado.

* Doutorando em Ciência Política/Estudos Estratégicos (UFF).

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