sexta-feira, 5 de abril de 2013

A tensão entre as Coreias: dissuasão, fatores domésticos e externos

Por Antônio Henrique Lucena Silva*

A derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial trouxe a península da Coreia para as atenções de americanos e soviéticos. Ambos tinham visões diferentes de como seria o futuro da região. A divisão das Coreias foi estabelecida na Conferência de Potsdam (1945) em que os aliados decidiram sem consultar os coreanos. EUA e URSS tinham planos para uma Coreia unida, mas as desavenças políticas dos coreanos e a falta de um acordo entre os Estados, ressaltada pela crescente luta de poder entre as duas forças, resultou no fim das conversas em 1948. Em agosto de 1948 foi criada a República da Coreia, no sul e, no norte, a República Democrática do Povo. Nos dois casos, o regime era autoritário: Syngman Rhee na Coreia do Sul e Kim-Il sung na Coreia do Norte.

O regime do norte iniciou uma militarização com apoio da União Soviética e China, enquanto o sul, após a saída das tropas americanas, estava militarmente despreparado e não possuíam equipamentos adequados. Operações de guerrilha no sul, apoiados pelo norte, levaram a um conflito em larga escala. Em 25 de junho de 1950, o Norte lançou uma ofensiva com 135 mil tropas, apoiados por tanques T34 e aviões Yak contra o Sul. Os Estados Unidos conseguiram uma resolução na ONU que apoiava a intervenção do Conselho de Segurança para repelir o ataque da Coreia do Norte. 

A Guerra da Coreia pode ser dividida em cinco fases: 1) Invasão do Norte, de 25 de junho a 1 de agosto de 1950; 2) a defesa do Perímetro de Pusan, 2 de agosto a 15 de setembro; 3) Ofensiva para o Yalu, 18 de setembro a 1 de novembro; 3) A intervenção chinesa, 2 de novembro de 1950 a 1 de janeiro de 1951 e, por último, 5) A ofensiva da primavera, de 5 de janeiro a 1 de abril. Durante dois anos a Linha de Frente não se moveu (que foi estabelecida pela ofensiva da primavera) ao longo do Paralelo 38 e, finalmente, foi assinado um armistício em 27 de junho de 1953, determinando um status quo ante bellum, ou seja, como as coisas estavam antes da Guerra. Estima-se que nos três anos de conflito milhões de pessoas morreram: 415 mil militares sul-coreanos, 33,741 mil foram perdas americanas em batalhas, 7 mil da Comunidade Britânica e aliados, enquanto as baixas norte-coreanas e chinesas foram estimadas em 2 milhões, e as baixas civis em toda a península em 1,25 milhão. 

Os resultados da Guerra tiveram efeitos internos e externos nos países. Na China, Mao Tsé-Tung usou o conflito para consolidar o Partido Comunista dentro do País e eliminar a oposição considerada danosa aos interesses nacionais. Nos dois blocos houve legitimidade para a ampliação dos gastos militares, especialmente no Ocidente, com os Estados Unidos (dos gastos totais do governo de 30,4 % em 1950 para 65,7% em 1954). A consolidação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) como aliança, maior contenção a regimes comunistas, maior pressão sobre o desarmamento alemão, além de um maior comprometimento com a China Nacionalista (Taiwan). O governo Park Chung-Hee (1961-1979) incentivou a construção de complexo para a indústria de defesa em Changwon em que as fábricas estavam concentradas em grande conglomerados incluindo a Samsung (Aerospace), Hyundai (Precision), Daewoo Heavy Industries, Ssangyong Heavy Industries e a Lucky-Goldstar (LG). 

Atualmente, A Coreia do Sul é um país bem armado e com uma base industrial de defesa que atende as necessidades básicas locais. O País adotou como estratégia o fomento à indústria doméstica e a aquisição de material bélico avançado do exterior (para o período 2008-2012 o País foi o quinto maior importador, com 5% compras totais). O norte não acompanhou o desenvolvimento do sul, assim como está tecnologicamente defasado aos aliados da Coreia do Sul, especialmente dos Estados Unidos. As recentes manobras militares para treinamento de pessoal, que são feitas anualmente, dentro do marco dos exercícios militares Foal Eagle (nome dado na atual gestão de Barack Obama, entre os EUA e a República da Coreia) são alvos das ameaças do Norte que buscam o cancelamento das operações militares, que ocorreu apenas durante o exercício Team Spirit, durante o governo Bill Clinton. 

Kim Jong-un afirmou recentemente que a política nuclear é um dos pilares das estratégias do regime, declarando que: "nossa força nuclear é uma dissuasão bélica confiável, e uma garantia de proteger nossa soberania" e que "está na base de um forte poderio nuclear que a paz e a prosperidade possam existir, e também a felicidade da vida das pessoas." Entende-se a opção da Coreia do Norte pela dissuasão nuclear: diferentemente de 1950 o país não possui superioridade militar com relação ao Sul. A única superioridade da Coreia do Norte é no número de soldados, o que não significa muita coisa nos dias atuais porque a maior parte dos ganhos em uma guerra são obtidos através da tecnologia, principalmente através de bombardeios mais eficientes, no qual há a minimização dos gastos e a maximização das baixas inimigas.

As ameaças da Coreia do Norte se baseiam na clássica concepção de dissuasão nuclear. Autores da dissuasão como Bernard Brodie (The Absolute Weapon: Atomic Power and World Order, 1946), analisam a arma nuclear através da ótica da política internacional em que esses artefatos podem servir de instrumento para prevenir um oponente a ter uma ação indesejada. Nesse sentido, a bombas atômicas seriam um forte inibidor de uma possível agressão. A utilização da dissuasão é baseada na ameaça de retaliação. A efetividade da dissuasão ocorre quando o adversário se convence que você tem a vontade e a capacidade (poder) de infligir danos consideráveis ao outro. De acordo com Robert Art (To What Ends Military Power? International Security, 1980), as armas nucleares podem garantir a segurança de um Estado porque são relativamente mais baratas do que um exército convencional. Efetivamente, como foi colocado acima, a dissuasão ocorrerá se o Estado ameaçador possuir capacidade de grande destruição ao adversário. O que não seria o caso da Coreia do Norte. 

Uma corveta sul-coreana foi afundada por um torpedo norte-coreano em 2010 e, ainda nesse mesmo ano, um ataque de artilharia atingiu a ilha de Yeongyeong matando dois soldados. Devido às ações agressivas do Norte, a Coreia do Sul estaria menos disposta a cooperar em cancelar o exercício com os Estados Unidos. As ações desse tipo possuem como objetivo forçar uma negociação e conseguir incentivos, especialmente para economia (combustível e comida), estratégia adotada pelo pai de Kim Jon-un. Outro aspecto da política doméstica também é importante: ambos líderes são recém chegados ao poder e necessitam de afirmação interna. Kim-Jong un, neto de Kim-Il Sung, é visto com desconfiança pela alta cúpula das Forças Armadas e estaria despreparado para o cargo. A busca por uma “dissuasão nuclear” nos moldes clássicos faz parte do processo de afirmação da autoridade de Kim, assim como a necessidade do regime demonstrar força. Park Geun-hye, atual presidente da Coreia do Sul, reafirma sua força quando diz que leva a sério as ameaças do norte e que faria uma "enérgica represália" em caso de ataque. A presidente também sinaliza que a sua atitude não-cooperativa (de não cancelar o exercício) é uma clara mensagem ao norte e que sua postura é de não dar mais concessões aos norte-coreanos que sempre usam um binômio conhecido: ameaças para conseguir concessões e, assim, afirmar sua autoridade.

É importante ressaltar que o contexto atual é radicalmente diferente da Guerra Fria. A China depende de suas exportações para os Estados Unidos e parece menos disposta a intervir do que anteriormente. O País abandonou a postura que possuía desde o 8º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês de apoiar revoluções e Estados revisionistas da ordem internacional.  O sistema internacional do mundo pós Guerra Fria é desfavorável à Coreia do Norte. A crise entre os Estados está marcada no campo da retórica e seus desdobramentos poderão ser vistos em breve, especialmente quando o exercício Foal Eagle terminar.

* Doutorando em Ciência Política/Estudos Estratégicos (UFF).

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