terça-feira, 30 de abril de 2013

A PEC 33/2011 e o Papel do Judiciário no Modelo Democrático Brasileiro

Por Leon Victor de Queiroz* e Vítor Sandes**

A modificação do arranjo institucional que a PEC 33/2011 propõe ao tirar os "super" poderes do Supremo Tribunal Federal, que detém a última palavra sobre a Constituição, não causaria estranheza em outra conjuntura política em que não houvesse uma forte descrença sobre o papel do Legislativo em lidar com a corrupção (a exemplo da falta de punição aos condenados por corrupção) e com questões básicas como os direitos humanos (a exemplo do caso Feliciano, já abordado neste blog).

O Supremo Tribunal Federal só tem acumulado poder desde a consolidação do modelo de revisão judicial misto em 1988. Essa hibridização uniu o modelo americano de revisão judicial difusa, onde qualquer juiz pode exercer o controle de constitucionalidade fazendo com que sua decisão surta efeitos apenas entre as partes processuais, com o modelo austríaco de Kelsen que é a forma concentrada na qual só alguns atores institucionais podem acionar o procedimento no Supremo. Em 1993, houve a criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), que até à Emenda Constitucional 45, de 2004, era de exclusividade do Presidente da República, mesas diretoras do Senado e da Câmara e do Procurador-Geral da República (chefe do Ministério Público Federal). Juntamente com a ampliação dos sujeitos que podem propor a ADC veio a Súmula Vinculante, que obriga todo o Judiciário a decidir de acordo com o que foi sumulado. 

Não há como negar que o STF é um tribunal muito poderoso. Na obra Patterns of Democracy (2012) de Arend Lijphart, na qual foram analisadas comparativamente 36 democracias entre os anos de 1945 a 2010, a Alemanha aparecia como um país de alto ativismo judicial por ter considerado inconstitucional 5% das leis federais contestadas.

O modelo de composição da mais alta corte do país também não deixa dúvidas de que as indicações são políticas e não poderiam ser diferentes, já que o Tribunal lida com questões políticas. Um tribunal "técnico" formado total ou majoritariamente por juízes de carreira nos deslocaria da democracia para a tecnocracia. Inclusive, a indicação presidencial com a anuência do Senado Federal é uma forma de recrutamento que evita a radicalização do tribunal, permanecendo uma Casa de bom senso, principalmente pelos filtros da coalizão no Senado antes da sabatina.

Outro ponto importante é o de que, aparentemente, o modelo consensual brasileiro parece estar se transformando no modelo da maior minoria, onde frentes parlamentares religiosas conseguem impor suas crenças e/ou vetar as que lhes são contrárias. Isso é perigoso, pois deixam-se de cultivar valores comuns e universais para impor a vontade de grupos. É o sectarismo ameaçando o equilíbrio que até pouco tempo predominava no Parlamento. É nesse ponto que incide a necessidade de um Judiciário que salvaguarde os princípios constitucionais, garantindo o bom funcionamento do ordenamento jurídico brasileiro. 

Submeter ao controle do Legislativo as decisões do Judiciário não é um absurdo se estivéssemos na Inglaterra ou na Dinamarca, já que em sociedades homogêneas que utilizam o modelo de Soberania do Parlamento, o Judiciário não interfere nas decisões parlamentares. Mas no contexto brasileiro isso é extremamente perigoso por uma série de razões: 1) nem sempre as leis aprovadas no Brasil estão adequadas à Constituição; 2) a construção dos direitos humanos tem sido constantemente ameaçada no âmbito do Legislativo.

É impossível que um órgão responsável pela interpretação da Constituição não atue quando provocado, principalmente diante de uma Carta Magna ampla, analítica e que constitucionalizou direitos e garantias individuais e até mesmo políticas públicas. 

O argumento de que os políticos podem ser punidos pelas urnas enquanto que os ministros do STF são para toda vida não se sustenta. A média de idade dos nomeados a ministro do STF é de 55 anos, ou seja, eles passam em média 15 anos na Corte. Já as elites parlamentares passam mais tempo que isso no Parlamento. A tão esperada accountability vertical (que estabelece mecanismos de controle pelo eleitorado) parece não funcionar apropriadamente. E como já dizia O’Donnell, é preciso investir em accountability horizontal, ou seja, nos controles estabelecidos entre os poderes, reforçando a atuação de instituições como Ministério Público, Tribunais de Contas e Poder Judiciário.

O STF só age quando provocado e para fazer valer a Constituição. Onde se vê o Judiciário legislando, vê-se um Congresso indiferente à Constituição e ameaçando os Direitos Humanos. É só observar o comportamento do Legislativo com deputado Marco Feliciano, cuja eleição para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias foi legítima e democrática. E o remédio legítimo e democrático contra as pregações que o parlamentar faz no colegiado enquanto legislador, caso se transformem em leis, é o Supremo Tribunal Federal, já que em tese o Brasil é um Estado Laico.

No nosso modelo democrático, a Constituição não é um enfeite, muito menos uma carta de intenções (como o foi em sua gênese). O problema é que, após 25 anos da nova Ordem Constitucional, o Congresso foi omisso em muitos pontos e, eis que, há o Judiciário para reforçar a Lei Maior.

Outro detalhe importantíssimo é o de que os Ministros do STF não caem do céu. O Executivo e os filtros da coalizão no Senado é que escolhem seus membros. Eles não são estranhos à estrutura. Ademais, para quem acha que o STF é composto apenas por advogados, é necessário esclarecer que 45% da composição do STF de 1988 a 2012 foi de advogados, 31% foi do Ministério Público e 22,7% de juízes de carreira. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) que pela Constituição deve ter 66% de magistrados em sua composição e 33% compartilhados entre Advogados e membros do MP, desde sua criação até hoje teve 58% de juízes, 11% de membros do MP e 30% de advogados, ou seja, o perfil de composição do STF mostra uma maioria de membros do Ministério Público e da Magistratura, o mesmo ocorre no STJ, mas de maioria dos magistrados e ninguém contesta a legitimidade do STJ.

O STF não foi eleito pelo voto direto, mas quem o colocou lá foi. Então só há legitimidade pela eleição direta? Recentemente a Argentina anunciou reformas em seu Conselho da Magistratura onde a eleição popular e a necessidade de o candidato ser filiado a partido político aumentariam o controle dos partidos sobre o Judiciário, o que provocou protestos. 

Caso esta PEC seja aprovada, estará evidenciada a tendência que alguns deputados têm de ignorar a (in)constitucionalidade de suas propostas e, consequentemente, da própria incapacidade da Casa em evitar conflitos institucionais com o Judiciário. Mais uma vez fica reforçada a importância do Judiciário no controle da constitucionalidade e no exercício de suas demais prerrogativas para o bom funcionamento da democracia brasileira. O debate evidencia o papel deste Poder na salvaguarda da Constituição frente a um Legislativo também importante, mas que, por vezes, tropeça entre as próprias pernas. Este tem falhado, seja ao permitir que condenados por corrupção continuem em seus cargos ou pela omissão no caso Marco Feliciano, que permanece à frente da principal Comissão legislativa que busca o fortalecimento dos Direitos Humanos no Brasil.

Portanto, o legislador constituinte originário, tendo consciência ou não, permitiu ao STF julgar as próprias alterações que minorem o poder da Corte. Caso essa PEC seja aprovada, tanto o Procurador-Geral da República quanto o Conselho Federal da OAB poderão (e deverão) entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade e o STF deverá decidir pela inconstitucionalidade da emenda.

Doutorando em Ciência Política (UFPE).
** Doutorando em Ciência Política (UNICAMP).

3 comentários:

  1. quero fazer um TCC sobre esse tema, você poderia me indicar doutrinas que tratam do assunto?

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  2. Excelente texto! Acho que o debate deve ser conduzido por esse caminho, mostrando as dificuldades da PEC 33 sem cair em uma visão idílica de um Judiciário moralmente superior e infalível - como se nota no subtexto dos manuais tradicionais do Direito Constitucional.

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